21 de abril de 2009

21 DE ABRIL

Conheci um sujeito que faria hoje 82 anos se vivo fosse. Teimoso, não mudava, por mais que os médicos dissessem pra ele se conter, evitar o cigarro, os esforços físicos desnecessários, fazer dieta, coisas do gênero. Nada o convencia da necessidade de mudar de vida pra viver mais. Resultado: morreu aos 50. Muitas vezes penso que se a medicina tivesse avançado mais uns 20 anos antes, se as condições materiais de vida fossem mais favoráveis, se ele tivesse segurado a onda, se não fosse tão teimoso... quiçá fosse hoje um velhinho bem abusadinho ou nem tanto e a gente apenas curtisse sua enorme habilidade de contar histórias. Como a história não se conta começando com um se... Tinha mesmo uma verve fantástica e conseguia prender a atenção de qualquer ouvinte com sua dramaticidade e detalhismo realista em cada simples relato que fazia. O finado Humberto contava - e isso virou coisa meio folclórica - que certo dia ele pegou um ônibus da antiga Viação Boa Esperança em Campina Grande com destino a Juazeirinho, no começo da noite. Sentou-se ao lado de um outro passageiro e aí entabularam uma conversa e esqueceram do tempo... Conversa vai, conversa vem, o resultado é que quando ele se deu conta o dia estava amanhecendo e estavam entrando na cidade de Fortaleza. Você pode até pensar: risível! Que absurdo! Mas é só uma lorota que tentava enfeitar um pouco a trajetória e o perfil do personagem. Conta Dona Neide que perdeu a conta das vezes que ele vinha do trabalho à noite, em Patos (isso no finalzinho dos anos 50 e início dos 60) com um amigo conversando e paravam na porta de casa. Hora de jantar passava e lá pras tantas ela ia vê-lo pelo buraco da fechadura e lá estavam conversando. - Tonito, vem pra dentro, home, vem dormir! E nada! Era assim! Era essa uma das facetas do velho Tonito, meu pai! Nem tive tempo de conviver muito com ele, mas talvez de todos eu tenha sido o filho que mais perto dele esteve, por conta de sua relativa preferência por mim, como auxiliar nas caçadas e pescarias intermináveis. Em casa éramos todos muito iguais para ele e suas formas mais que tradicionais de tratamento. Não lembro de um carinho seu, salvo uma ou outra palavra de elogio. Foi assim. Mas dificilmente não haja um momento como esse em que eu não pense "puxa, velho, poderia ter vivido um pouquinho mais, não?" Ao menos pra ver um pouco o conjunto da 'obra'. Faz falta e, vez por outra, uma ausência dorida. Creio que os pais são todos assim. Quando eles não estão mais por perto a gente tem a exata dimensão de sua importância em nossas vidas! Cuide do seu! Ame-o até o último minuto de presença e reserve um cantinho bem especial na memória onde guarde as suas melhores e mais doces lembranças para lhe seguirem pelo resto de sua vida! Um dia ele será apenas isto!

7 comentários:

Anônimo disse...

Fiquei emocionada. Lembrei do meu pai, o velho "Zezo", que com sua simpliciade de pedreiro foi fundamental no alicerce da minha vida. Xêro Célia Regina

Ana Maria disse...

Quando você sente saudade daquele que viu, com quem conviveu sabe exatamente a dimensão do sentimento...A maior saudade que sinto é de dois homens com os quais não convivi (do Pai de quem não lembro talvez por ter na época tenra idade e do filho que não vi) apenas conheço a história e guardo na primeira gaveta fotos manchadas de lágrimas. É saudade é assim, dorida!

Ana Maria

Débhora Melo disse...

Olá Rangel!

Eu tenho um PAI, na verdadeira acepção da palavra, e orgulho-me tanto dele.
É muito dificil falar sobre quem amamos sem nos emocionarmos, lágrimas teimam em cair, pois o amor é tão grande e profundo, que palavras são poucas para transmitir real amor.
Sim, cuidarei bem dele, pois é o meu porto seguro, a mao amiga, o beijo sincero, o abraço caloroso,as palavras de incentivo e de cuidado, é o ar de preocupação, as vezes é a transmissão de pensamento e o socorro na hora mais precisa, é o meu amigo, meu ombro, minha bengala, é o meu pai!



(...)Afinal, todos somos crianças abandonadas. Nos momentos de solidão noturna, de insônia, tomamos consciência de que estamos destinados ao abandono, aquele tempo quando será inútil chamar "meu pai" ou "minha mãe".

(Fragmento do artigo UMA CRIANÇA CHORA... de Rubem Alves)


Uma abraço fraterno,

Débhora Melo.

Aninha disse...

Sei exatamente o que é essa saudade. O meu pai também não teve tempo de ver o "conjunto da obra" e lendo seu post, assim como diz Célia, é inevitável não lembrar o nosso próprio pai e comungar dessa saudade aí. Beijo grande! Amo tu.

KÁTIA LIMA disse...

OLÁ COLEGA!

SAUDADE BATE MESMO...E ELA ESTÁ GUARDADA NO MEU CORAÇÃO, SEMPRE PRESTES A SAIR.
E QUEM TEM UM PAI COM A DÉBHORA, TEM MAIS É QUE CUIDAR, APROVEITAR O TEMPO, POIS A HISTORIA NÃO VOLTA.
ME EMOCIONEI COM O TEXTOS E COM OS RELATOS AQUI APRESENTADOS E É ISSO AÍ MESMO... TEM HORA QUE É INÚTIL CHAMAR O PAI E A MÃE...

VALEUUU...

ABRAÇOS A TODOS.

Socorro disse...

Nesses últimos tempos, tenho tido a exata sensação do quanto é importante 'chegar junto' e inverter os papéis ocupando o lugar de responsável pelo bem-estar e cuidados com os próprios pais.
Vivo essa fase com resignação, resiliência e descobertas. Feliz, por tê-los! Tenho pai e mãe, sertanejos/caririzeiros desbravadores e por que não dizer, vencedores. Sinto tua dor, ao tempo em que te admiro pela identificação mesmo tendo convivido apenas até a adolescência com o seu pai(acho que vc já disse isso uma vez).

Como diz o poeta:

"É preciso amar as pessoas
Como se não houvesse amanhã
Por que se você parar
Prá pensar
Na verdade não há...

Me diz, por que que o céu é azul
Explica a grande fúria do mundo
São meus filhos
Que tomam conta de mim..."

Também chorei!

RANGEL JUNIOR disse...

Nossa! É sempre bom saber que nossos sentimentos espalhados se tornam sempre sentimentos de todos. Temos história e o passado está dentro da gente assim como, de outro modo, o futuro é só expectativa.
Vamos aprendendo com essa troca. Agradeço pelas "participações especiais".