23 de novembro de 2017

NO JARDIM DA SOLIDÃO - glosas

O José Bezerra, além de bom novo amigo (que a vida me ofereceu de presente) e excelente poeta é um exímio formulador de motes, que é uma arte à parte.

Pois bem. O dito cujo ofereceu este mote no Clube do Repente e eu, lançado o repto, andei cometendo uns versos...

Eu sou a criança triste
Por não ter uma escola
Sou a silente viola 
Porque corda não existe
Sou a erva que persiste
Brotando em tórrido chão 
Sou a alça do caixão 
Cogumelo de estrume
Sou a Rosa sem perfume 
No jardim da solidão.

Talvez eu seja flor rara
Encontrada no deserto
Sou a metade do certo
Tapa de luva na cara
Sou graveto de coivara
Pingo d'água no sertão 
Sombra feita no oitão
Suspeito que não assume
Sou a rosa sem perfume 
No jardim da solidão.

Do pouco sou quase nada
Sou meia gota de éter
Da veia sou o catéter
Desobstruindo estrada
Sou a borracha estufada
Dos pneus do caminhão 
Maquiagem num “cambão"
Que não tem jeito que arrume
Sou a rosa sem perfume 
No jardim da solidão.

Da bússola sou o ponteiro 
Quebrado, sem azimute 
Sou alemão sem chucrute 
Filantropo sem dinheiro
Carnaval sem fevereiro
Sou forró sem Gonzagão
Sou o vazio do vão 
Ser ter para onde rume
Sou a rosa sem perfume 
No jardim da solidão.

Sem você eu sou bagaço
Chupado, jogado fora 
Laje feita sem escora
Fadiga, sono, cansaço
Morte sem estardalhaço 
Trilhos sem nenhum vagão 
Caipirinha sem limão 
Casamento sem ciúme 
Sou a rosa sem perfume 
No jardim da solidão.

Eu sou um barbante teso 
Quebrando cada fiapo 
Sou estopa velha, trapo
Caquético, tísico, indefeso
Sou um inocente preso 
No remorso – que é prisão!
Sou que nem assombração 
"Alma esticada em curtume" (*)
Sou a rosa sem perfume 
No jardim da solidão. 

Rangel Jr 
Mote: Zé Bezerra 


* citação de Caetano Veloso