21 de dezembro de 2007

SOBRE OS SONHOS...

QUAIS SÃO OS SEUS?
Fico me perguntando quando em vez se tenho o direito de me imiscuir nos sonhos dos outros.
Confesso! É uma curiosidade que tenho e faço desta singela publicação e confissão um repto a Taiguara, a você que me lê.
Leia Mário Quintana.
"Se as coisas são inatingíveis... ora! não é motivo para não quere-las... Que tristes os caminhos, se não fora a magica presença das estrelas!"
Os meus amigos todos, creio eu, devem ter seus sonhos. Uns mais secretos, outros inconfessáveis, outros que devem ser públicos. Você confessaria o seu maior sonho?
Este Ipê Amarelo (que foi alvo até de projeto de lei para que se transformasse na árvore símbolo do Brasil) será minha árvore de natal. Ele está plantado no canteiro central da aveninda Floriano Peixoto, quase em frente à Churrascaria do Alexandre, no Centenário, em Campina Grande.
Não fosse árvore, não estivesse obrigada a aceitar e conviver com cachorros que amiúde mijam em seu tronco, fumaça de óleo diesel, bêbabos que o utilizam como escora na travessia da avenida... não fosse tudo isso, quem sabe quisesse ser somente sombra, somente flores.
Imagino assim o sonho do Ipê: uma árvore que sonha ser somente flor, uma árvore transformada em flor. Talvez por isso eles se concentrem durante o ano inteiro, fiquem feinhos, ressequidos, sem folhas... depois vão juntando forças, lapidando seus sonhos internamente e se preparando para o grande momento entre outubro e dezembro.
Desta vez alguns Ipês, teimosos, ainda exibem sua exuberância floral em plena véspera de natal. Muitos já perderam completamente as flores (já haviam perdido as folhas antes). Outros, como estes da foto, com a ajuda do celular, quase se transformam em pintura impressionista.
Vai entender essas árvores! Ando por aí prestando atenção em coisas, em cores, em odores, em gente...
Cá com meus botões eu fico matutando, ruminando (como costuma dizer o filósofo Biu) sobre meus sonhos e a construção de caminhos para realizá-los.
Qualquer hora dessas escrevo sobre eles... Por falar em sonhos, qual a última vez que você parou pra ouvir atentamente um passarinho cantar?

14 de dezembro de 2007

MARKETING CONFUSO

Cada dia me convenço mais de que esse negócio de marketing não é pra quem quer, mas pra quem ou sabe ou ao menos leva jeito. Vou mostrar nas próximos postagens uma pequena prova do que estou dizendo. Vinha eu tranquilamente saindo da feira no último sábado, perto do meio dia, e me deparo com este anúncio. Não resisti. A primeira sensação que tive foi uma mistura de confusão com vontade de rir. O que está mesmo à venda é o carro, claro. Mas reflita e me diga se a mensagem não tá truncada? Quantas mensagens não podem ser tiradas destas imagens e textos? O que está mesmo à venda? De quebra, aproveito e faço aqui um comercial gratuito pro cidadão. Eu, hein?

15 de outubro de 2007

A CAIXA DE BRINQUEDOS

A minha amiga psicóloga Socorro Dantas me presenteou com este belo texto do educador Rubem Alves, como parte de sua referência pela passagem do Dia do Professor. Não conhecia. Agradecido e emocionado decidi de pronto: publico o texto na íntegra. "A idéia de que o corpo carrega duas caixas —uma caixa de ferramentas, na mão direita, e uma caixa de brinquedos, na mão esquerda— apareceu enquanto eu me dedicava a mastigar, ruminar e digerir santo Agostinho. Como você deve saber, eu leio antropofagicamente. Porque os livros são feitos com a carne e o sangue daqueles que os escrevem. Dos livros, pode-se dizer o que os sacerdotes dizem da eucaristia: "Isso é o meu corpo; isso é a minha carne". Santo Agostinho não disse como eu digo. O que digo é o que ele disse depois de passado pelos meus processos digestivos. A diferença é que ele disse na grave linguagem dos teólogos e filósofos. E eu digo a mesma coisa na leve linguagem dos bufões e do riso. Pois santo Agostinho, resumindo o seu pensamento, disse que todas as coisas que existem se dividem em duas ordens distintas. A ordem do "uti" (ele escrevia em latim ) e a ordem do "frui". "Uti" significa o que é útil, utilizável, utensílio. Usar uma coisa é utilizá-la para obter uma outra coisa. "Frui" significa fruir, usufruir, desfrutar, amar uma coisa por causa dela mesma. A ordem do "uti" é o lugar do poder. Todos os utensílios, ferramentas, são inventados para aumentar o poder do corpo. A ordem do "frui" é a ordem do amor —coisas que não são utilizadas, que não são ferramentas, que não servem para nada. Elas não são úteis; são inúteis. Porque não são para serem usadas, mas para serem gozadas. Aí você me pergunta: quem seria tolo de gastar tempo com coisas que não servem para nada? Aquilo que não tem utilidade é jogado no lixo: lâmpada queimada, tubo de pasta dental vazio, caneta sem tinta... Faz tempo, preguei uma peça num grupo de cidadãos da terceira idade. Velhos aposentados. "Inúteis" —comecei a minha fala solenemente. "Então os senhores e as senhoras finalmente chegaram à idade em que são totalmente inúteis..." Foi um pandemônio. Ficaram bravos, me interromperam e trataram de apresentar as provas de que ainda eram úteis. Da sua utilidade dependia o sentido de suas vidas. Minha provocação dera o resultado esperado. Comecei, mansamente, a argumentar. "Então vocês encontram sentido para suas vidas na sua utilidade. Vocês são ferramentas. Não serão jogados no lixo. Vassouras, mesmo velhas, são úteis. Uma música do Tom Jobim é inútil. Não há o que fazer com ela. Os senhores e as senhoras estão me dizendo que se parecem mais com as vassouras que com a música do Tom... Papel higiênico é muito útil. Não é preciso explicar. Mas um poema da Cecília Meireles é inútil. Não é ferramenta. Não há o que fazer com ele. Os senhores e as senhoras estão me dizendo que preferem a companhia do papel higiênico à do poema da Cecília..." E assim fui acrescentando exemplos. De repente os seus rostos se modificaram e compreenderam... A vida não se justifica pela utilidade, mas pelo prazer e pela alegria —moradores da ordem da fruição. Por isso Oswald de Andrade, no "Manifesto Antropofágico", repetiu várias vezes: "A alegria é a prova dos nove, a alegria é a prova dos nove...". E foi precisamente isso o que disse santo Agostinho. As coisas da caixa de ferramentas, do poder, são meios de vida, necessários para a sobrevivência (saúde é uma das coisas que moram na caixa de ferramentas. Saúde é poder. Mas há muitas pessoas que gozam de perfeita saúde física e, a despeito disso, se matam de tédio). As ferramentas não nos dão razões para viver; são chaves para a caixa dos brinquedos. Santo Agostinho não usou a palavra "brinquedo". Sou eu quem a usa porque não encontro outra mais apropriada. Armar quebra-cabeças, empinar pipa, rodar pião, jogar xadrez ou bilboquê, jogar sinuca, dançar, ler um conto, ver caleidoscópio: tudo isso não leva a nada. Essas coisas não existem para levar a coisa alguma. Quem está brincando já chegou. Comparem a intensidade das crianças ao brincar com o seu sofrimento ao fazer fichas de leitura! Afinal de contas, para que servem as fichas de leitura? São úteis? Dão prazer? Livros podem ser brinquedos? O inglês e o alemão têm uma felicidade que não temos. Têm uma única palavra para se referir ao brinquedo e à arte. No inglês, "play". No alemão, "spielen". Arte e brinquedo são a mesma coisa: atividades inúteis que dão prazer e alegria. Poesia, música, pintura, escultura, dança, teatro, culinária: são brincadeiras que inventamos para que o corpo encontre a felicidade, ainda que em breves momentos de distração, como diria Guimarães Rosa. Esse é o resumo da minha filosofia da educação. Resta perguntar: os saberes que se ensinam em nossas escolas são ferramentas? Tornam os alunos mais competentes para executar as tarefas práticas do cotidiano? E eles, alunos, aprendem a ver os objetos do mundo como se fossem brinquedos? Têm mais alegria? Infelizmente, não há avaliações de múltipla escolha para medir alegria..." DIZER O QUE DEPOIS DISTO? UM ABRAÇO GRANDE ÀS (E AOS) COLEGAS DE BATENTE.

4 de setembro de 2007

ABRINDO O BAÚ E CONTANDO HISTÓRIAS - Parte II

A foto é do ano de 1976 ou 1977. Banda Marcial do Colégio Municipal Severino Marinheiro. Desfile do 7 de Setembro. O tocador de bumbo (ou Bombo) sou eu! Era de fato um orgulho nosso, de todos, o desfile do 7 de setembro, dia da Independência Nacional. Começávamos a semana com o hasteamento da bandeira na parte da frente do colégio, em fila, do menor para o maior. Entoávamos o Hino Nacional, devidamente ensaiado antes e com a letra fartamente ensinada no período anterior, principalmente a partir da última contracapa dos cadernos da FENAME. A preparação para o Dia da Independência era algo fantástico. Tempo de extravasar fantasias, reavivar o sentimento patriótico e demonstrar, na prática, como se deveria reverenciar as Armas Nacionais, a Bandeira Nacional, o Hino Nacional Brasileiro. Logo a partir do retorno das férias do meio do ano começavam os ensaios. Os 'escolhidos' para tocar na banda (que era a maior honraria pros meninos) começavam os ensaios em separado e no caso das meninas escolhidas para 'baliza' (que era o maior orgulho do lado feminino) já começavam a treinar as evoluções e malabarismos que iriam fazer à frente da banda e de cada um dos 'pelotões' do desfile. A nomenclatura utilizada talvez não fosse a mais adequada. Entretanto, o nosso sentimento de civismo e comemoração sincera da "independência do Brasil" era algo de arrepiar até os mais insensíveis. A preparação durava ao menos uns dois meses e às vésperas do desfile ensaiávamos diretamente na rua, com banda e tudo o mais. Somente a farda era a surpresa do 7 de setembro. A farda da banda, as indumentárias das balizas, os 'pelotões alegóricos" que ressaltavam belezas nacionais (na linha do ufanismo estado-novista ou do governo do golpe de 64), essa parte mais artística e mais nobre somente era conhecida no dia do desfile. Era pra causar sensação! Na véspera do desfile juntávamo-nos todos da banda pra 'passar' os últimos detalhes e dar o último polimento nos instrumentos e fazer a afinação final. Bumbos-fuzileiros, surdos, caixas, taróis, pratos, cornetas... tudo tinindo com um bom banho de 'kaol' e uma flanela esfregada à exaustão. A saída do colégio era algo fantástico, rodeado de tensão, de expectativa e lá íamos nós, pequenos brasileiros saudando uma independência da qual não tínhamos, a bem da verdade, pouco mais que uma vaga idéia a partir do quadro fantasioso do "Grito do Ypiranga" pintado pelo genial paraibano Pedro Américo. Dois outros momentos eram considerados o ápice da festa: primeiro a passagem em frente ao palanque das autoridades (civis, militares e eclesiásticas - era assim que anunciava o locutor Inácio na difusora), geralmente armado em frente à prefeitura. O segundo momento ficava por conta do 'encontro de bandas' que era o momento em que, em alguma parte do desfile cruzávamos as bandas marciais do "Colégio Novo", com o "colégio Velho". Pra ser fiel à verdade dos fatos, aquele encontro era o momento da velha rixa política entre os Marinheiros (do Colégio Municipal Severino Marinheiro - o Colégio Novo) e os Matias-Vital (do Grupo Estadual Manoel Vital - o Colégio Velho). O 'encontro das bandas' era o cruzamento, em algum momento do desfile, quando as bandas passavam, em sentido contrário e cada uma tentava 'tirar um dobrado' mais bonito ou mais complexo, todos batiam nos instrumentos ao ponto de "rasgar os couros" (já peles hidráulicas) na tentativa de abafar o som da outra banda e comprometer o andamento, o compasso, o ritmo. Apesar da história comprida, vale a pena lembrar que, àquela época, o "Colégio Velho" torcia pra que o 7 de setembro fosse dia de sol, pois, em razão de carências materiais, a maioria das peles dos seus instrumentos eram peles animais e não sintéticas, o que exigia um bom tempo ao sol para "esticar" e garantir a afinação com boa sonoridade. Agenor e Nego Toca que o digam! Eu, à frente da banda, ao lado de Nenen de Jaime, com meu 'fuzileiro', esparadrapo nos dedos, elástico nas baquetas pra garantir uns malabarismos bacanas e uma disposição de "mamar em onça" era o exemplo vivo da alegria e êxtase. O verdadeiro orgulho nacional. De tanta saudade resolvi ir a Juazeirinho assistir ao desfile do 7 de setembro, fotografar pessoas e cenas do desfile pra avivar a memória e fazer tirar um pouco o mofo do meu baú de reminiscências. Sem aquele ufanismo absurdo do governo de 64 creio que o 7 de setembro ficou mais brasileiro, mais real. Passando por Monteiro na semana passada, em um evento da UEPB, ouvindo ao longe o ecoar da fanfarra de algum colégio da cidade, ensaiando pro 7 de setembro, era impossível não arrepiar. Como chorão dos bons, os olhos foram marejando, a voz embotando na garganta e fui saindo aos poucos de perto da roda de conversa pra não ter que dar explicações a ninguém. Afinal, sei lá se iriam entender essa história comprida e mais encompridada ainda pelos rodeios do contador. Sei lá...

18 de agosto de 2007

QUE É QUE EU SEI?

O que é que eu sei do amor, amiga minha, Senão essa dor interminável? Senão esse punhal atravessado no peito… Sangue aos borbotões… O que é que eu sei do amor, amiga imensa, Senão esse perfume esquecido Com cheiro de antigas cartas e fotografias amareladas? Senão esse casaco poído onde nos aquecemos E essa ânsia desesperada de estarmos juntos? Que é que eu sei do amor, musa dos meus rabiscos, Senão essa vontade imensa dos teus abraços? Essa adolescência que teima em morar comigo, O desespero da chuva E a saudade de um beijo molhado! Que é que eu sei do amor, minha cara, Que é que eu sei, Se continuo aprendiz? (do livro "os sapatos apaixonados")

31 de julho de 2007

ABRINDO O BAÚ E CONTANDO HISTÓRIAS - Parte I

Ainda nos primeiros 10 anos de vida, quando acompanhava meu pai em suas longas caminhadas das caçadas e pescarias, me chamava a atenção o seu jeito de assobiar permanentemente. Caminhando e... assobiando! Em casa tínhamos o hábito de cantar um pouco antes de dormir (e de rezar, claro!), nós no quarto ao lado e papai em seu quarto já deitado corrigindo os eventuais erros na letra das músicas e na nossa afinação. Conversávamos de um quarto pro outro, o som por cima da meia-parede. Eram assim nossas primeiras aulas de música e canto popular. Apesar da fama de bom tocador de manola e violão, o "velho" abandonou tudo depois do casamento. Apenas afinava violões que lhe chegavam, a pedido. Já a partir de 1970, quando Seu Tonito comprou um "ABC-A VOZ DE OURO" pra Copa do Mundo, nossa rotina mudou um pouco, pois tínhamos agora algo de música tocada e cantada dentro de casa. Rádio Rural de Caicó e Rádio Caturité de Campina Grande eram as que melhor sintonizavam, na nossa casa em Juazeirinho. Antes disso, minhas lembranças de música ouvida em rádio vêm da marcenaria de Seu Zé Braz. Lá costumavam ouvir rádio em alto volume, por conta do barulho, e o som chegava bem à casa de Vovô Zé de Fontes onde morávamos. Cantorias organizadas por Vovô, algumas cantorias de pé-de-parede quando ia com Dona Neide fazer a feira, um Show de Luiz Gonzaga em cima de um caminhão, na praça em frente À Igreja Matriz, patrocinado pelo "Fumo Dubom". Eis minhas memórias mais gerais daqueles anos. Por esta época Zé de Cazuza era o "mecenas" que garantia a estrutura de um conjunto musical formado por Evandir, Nego Toca (que fabricava as guitarras na funerária de Bola 7, seu pai), Carlinhos e mais alguns. Depois de um "racha", formaram outro grupo e passei a "tocar" algo parecido com uma pandeirola em termos sonoros. Era um círculo de arame com tampinhas de garrafas amassadas em forma de rodelas (platinelas?) e furadas ao meio, espetadas no arame e chacoalhadas para cima e para baixo. Gilberto, meu irmão, tocava uma espécie de reco-reco e Paulo de Dona Bernadete um "surdo", feito com uma lata de mantimentos vazada e uma borracha de câmara de ar cintada com uma tira da mesma matéria. Eis nossos "equipamentos" musicais. Repertório? "Criança feliz / Que vive a cantar...", uma em homenagem às mães (estréia do grupo "OS SUPERQUENTES", com direito à fitinha de cartolina na testa com o nome do grupo). Isto aconteceu por volta de 1970, quanto eu tinha 8 pra 9 anos. Contava já 9 anos quando construíram o Colégio Municipal ao lado de nossa casa e de lá obtive um pedaço de ripa, que junto a uma lata vazia de leite em pó e um arame de caderno, amarrado nas pontas da ripa, sustentado com pregos e esticado com a lata de leite, formou aquilo que eu imaginava ser um berimbau. Tinha visto algo parecido num livro didático ou revista, se não me falha a memória. Sem o saber eu estava fabricando um marimbau. Tocava Noite Feliz, Asa Branca, Parabéns Pra Você. Essas são as música de que lembro. Com um ferro percutia o arame na parte mais curta enquanto com uma pequena faca cega e sem cabo percorria o arame pressionando-o ao longo da parte maior em busca das notas. Foram minha primeiras incursões, de fato, pelo universo musical. A foto mostra parte do resultado dessas viagens. Fico devendo uma dos anos 70.

26 de julho de 2007

EUA - Sós e Pobres

UMA HISTÓRIA INTERESSANTE PUBLICADA NO SITE DO JORNALISTA LUCAS MENDES. "Pela primeira vez na história americana, o número de pobres aumentou cinco anos seguidos. Foi um crescimento de apenas 0,2% com relação a 2003, mas o importante neste caso é o acúmulo de anos pobres. A economia cresce, e a pobreza também. Os economistas que defendem o governo explicam que a tecnologia e o comércio global são culpados pelas quedas nas rendas. Os democratas culpam o presidente e suas reduções de impostos que beneficiaram mais os ricos do que os pobres. Clique aqui para ouvir esta coluna na voz de Lucas Mendes Numa irônica coincidência, o maior defensor da redução de impostos, o inspirador da doutrina econômica de Ronald Reagan conhecida como supply side economics, morreu no mesmo dia da publicação da pesquisa, que mostra cinco anos consecutivos de aumento de pobres. O jornalista Jude Wanniski tinha 69 anos e morreu do coração. Em 74, ele estava num bar com outros dois economistas quando um deles resumiu num guardanapo sua idéia de reduzir impostos para aumentar a riqueza. A partir daí, Jude Wanniski viveu em função da teoria. Um outro número recém-revelado pelo censo mereceu bem menos atenção do que os números da pobreza, mas não é menos surpreendente. Nos Estados Unidos, também pela primeira vez, há mais gente morando sozinha que em família. Entre 1990 e 2000, o número de divórcios não aumentou, mas houve um aumento de 20% no número de solitários. E a maioria deles - 57% - é de mulheres. Manhattan é a capital da solidão. 48% da população da ilha mora só. E como Bidget Jones, os quartetos de Seinfeld e de Sex and The City, eles vivem em busca de companhia".

22 de julho de 2007

IMAGENS E HISTÓRIAS

Da esquerda para a direita. Em pé - Junior de Tonito, Wilson (Burra-preta), Evaristo (vovô), Boroga, Antonio João, Nenen de Jaime, Roberto de Chico Soares e Val de Euclides. Agachados - Manoel, Neto de Tonito, Gilberto de Tonito, Zominho de Antõe Gregório, Pedro de Josino, Toinho de Euclides e Tota de Bertino. A foto (Novembro de 1975) foi feita no jogo de estréia do Marinheiro Sport Club (assim mesmo, meio inglês), que foi uma equipe montada a partir de estudantes do Colégio Municipal Severino Marinheiro, mas, como se dizia na época, "enxertado" com alguns craques de fora. Alguns desses poderiam muito bem ter chegado à seleção brasileira. Com destaque lembro bem das jogadas de Val e Toinho de Euclides (uma família de grandes craques da pelota). Toinho, inclusive, tinha uma capacidade de verdadeira bomba com seu pé direito. Ainda jogamos futebol de salão (ainda não era "futsal") juntos no início dos anos 80 em Campina Grande, pelo time do Balcão da Economia. Pedro de Josino era um craque. Nenen de Jaime jogava bem. Boroga e Burra Preta chegaram a formar, junto com Titico (que não está na equipe), uma das melhores zagas do mundo. Ao menos das que eu vi jogar. Zominho jogava bem, assim como Tota. Roberto Soares levava jeito. Evaristo era um bom goleiro. Tinha lá seus momentos de tragar um galináceo, mas isso acontece com os grandes. Eu, Gilberto e Neto, aí já é uma outra história. Que eu me recorde, Neto tinha um certo jeito no trato com a Bola. Gilberto, magrelo de mais que era nessa época, não ia muito longe na carreira futebolística e, como eu, ficava na reserva. Quanto a mim, sinceramente, minha maior especialidade na lateral esquerda era deslocar os pontas-direitas pra cima da cerca de avelós que demarcava as fronteiras do "estádio" municipal de Juazeirinho. Ainda hoje acredito que nem todo mundo precisa ser craque pra jogar bola. O melhor exemplo disso talvez seja a seleção brasileira. Formávamos boas equipes de futebol. Sem essa de futebol de alto nível ou rendimento, mas esse era o nosso esporte preferido e praticado or quase todos os gerotos. Nesse jogo de estréia do "Marinheiro", por exemplo, vencemos o Ferroviário por 6 x 1. Não tenho registro sobre a escalação nem a autoria do gol de honra do Ferroviário. Do nosso lado foram gols de Pedro de Josino, Neto, Tota, Toinho e Zominho (2). Sou saudosista? Creio que sim e adoro o presente por isso. Ele está emprenhado de futuro, mas não apaga o passado. Ao contrário vive retroalimentado por ele. Deixei de jogar bola há muitos anos, mas sinto saudades e vez por outra prometo que vou voltar, mas termino ficando sempre nas minhas caminhadas e corridas leves. A imagem da equipe de futebol em pose tradicional, as expressões dos "atletas", as lembranças do grandes e maravilhosos momentos de um tempo muito divertido e saudável, quando a vida ainda não era levada tão a sério. Aliás a vida era só viver! Foi por esta época também que Zominho começou a me ensinar os primeiros acordes ao violão. Coincidentemente, depois de aprender um pouco e descobrir que tinha mais jeito pra música do que pra bola, adquiri meu primeiro violão justamente de Tota de Bertino. Um Giannini com cordas de aço que foi destruído posteriormente num "acidente" doméstico que, por ser uma longa história eu conto outro dia.

16 de maio de 2007

"Cacos das putas": a imagem da mulher na canção massificada

Este texto foi publicado no portal www.vermelho.org.br. Achei por demais merecedor de uma opstagem aqui. Por Mariângela Ribeiro* Circula atualmente pela internet um e-mail que denuncia a discriminação e o preconceito declarados numa canção da banda Mastruz com Leite. Refiro-me à Bomba no Cabaré, que diz o seguinte: Mastruz com Leite: machismo "Jogaram uma bomba no cabaré / voou pra todo canto pedaço de mulher / foi tanto caco de puta / voando pra todo lado / dava pra apanhar de pá, / de enxada e de colher! / no meio da rua tava os braços da Tereza / No meio fio tava as perna (sic) de Raché / Em cima da telha os cabelo (sic) de Maria / No terraço de uma casa os peito (sic) de Isabé! / Aí eu juntei tudo e colei bem direitinho / fiz uma rapariga mista, / agora todo homem quer / pode jogar uma bomba lá no cabaré / que eu junto os cacos das putas / pra fazer outra mulher". O problema é que esse tipo de discurso é mais comum do que pode parecer aos ouvidos não poluídos pelos sons cotidianos de nossas cidades. Em Bomba no Cabaré encontramos um discurso social totalmente desrespeitoso com nós, mulheres em geral, e, particularmente, com as profissionais do sexo. Discurso que não é novo na música popular no Brasil (1). Mas que, atualmente, traz um teor de banalização a níveis antes inimagináveis. As letras criadas entre os anos 30 e os 70 parecerão inocentes... Aos mais relativistas, esta afirmação pode soar preconceituosa ou moralista. Mas não o é. Destaco apenas a substituição da poética (que colocou a nossa música como referência mundial) por um naturalismo sem graça, para não dizer preconceituoso e violentador do sublime, do humano. E não estou sugerindo que falta inspiração ou cultura aos criadores individuais da atualidade. Mas lembro que estamos tratando de canções fabricadas por uma indústria poderosa, que trabalha com padronizações, estilizando (e piorando) os elementos absorvidos do popular. Esta indústria cultural é expressão de um tempo marcado por mudanças nas práticas culturais, econômicas, políticas e sociais que se traduzem num individualismo profundo. "Eu sou o que consumo" Neste mundo fundamentado em modos mais flexíveis de acumulação de capital, a atuação e influência dos meios de comunicação tornaram-se complexas. Com a fragmentação do processo produtivo, os elementos culturais ganharam novas feições fundamentadas em tecnologias de ponta: "a fórmula substitui a forma". Para um público cada vez maior, novos produtos são criados com uma velocidade ímpar, legitimando o padrão cultural do "capitalismo tardio", isto é, o consumo enquanto "direito pessoal" que expressa "liberdade de escolhas". Entendendo padrão cultural como a maneira de "estar no mundo", os valores que legitimam os comportamentos, conclui-se que, "no processo de globalização, a cultura de consumo desfruta uma posição de destaque. (...) ela se transformou numa das principais instâncias mundiais de definição da legitimidade dos comportamentos e dos valores" (Ortiz: 1998, p.10). Dito de outra forma, eu sou o que consumo. Minha identidade está nas mercadorias materiais e simbólicas que adquiro. Assim, independente da origem destas produções, elas revelam "denominadores comuns" do chão histórico em que são criados. Antônio Cândido nos ensina que estes denominadores são elementos sociais e psíquicos partilhados por uma determinada sociedade. A obra de cultura (nesse caso, a canção) é considerada, assim, um sistema simbólico que faz a mediação entre o indivíduo e o social. Machismo clássico Seguindo esta lógica, Bomba no Cabaré representa valores e comportamentos do nosso "senso comum" - que oferece elementos para a criação de bens simbólicos ao mesmo tempo em que é formado/confirmado pelo discurso divulgado pela mídia. O pior, numa rápida busca na internet, vi que este tipo de discurso naturalista e agressivo/desrespeitoso às mulheres (e também aos homossexuais e aos transexuais, que aqui não tratarei) é encontrado nos gêneros musicais mais populares da atualidade, como os forrós estilizados e o funk carioca. Mastruz com Leite está entre os chamados forrós estilizados e seu discurso não se distancia de tantos outros, como demonstram canções de Cavaleiros do Forró e Calcinha Preta. Na referida pesquisa virtual, as letras deste estilo trazem fortemente a ideologia machista clássica. Uma do grupo Cavaleiros do Forro chamada Esporte de Mulher (Karatê) diz assim: "Homem gosta de forróde cachaça e de mulherseu esporte é o futebol (...) mas o esporte de mulher é o karatêo cara ter um carroo cara ter dinheiroo cara ter fazendanão precisa ser solteironão precisa ser bonitobasta só o cara ter". Segundo compositores como João Ribeiro (de Esporte de Mulher), a mulher é colocada não só como um ser em busca de dinheiro, status financeiro, mas como alguém incapaz de pensar em outros meios de obtê-los. Não se cogita outras formas dela conseguir a posição/riqueza que deseja. A única saída é arrumar um homem que realize seu "sonho". Os politizados Racionais MC's também afirmam esta idéia em Mulheres Vulgares: "Se liga aí: derivada de uma sociedade feministaque considera e dizem que somos todos machistasnão quer ser considerada símbolo sexualluta para chegar ao poder, provar a sua moralnuma relação na qualnão admite ser subjugada, passada para trásexige direitos iguais... e o outro lado da moeda, como é que é? pra ela, dinheiro é o mais importanteseu jeito vulgar, suas idéias são repugnantesé uma inútil que ganha dinheiro fazendo sexo (...) Fique esperto com o mundomulheres só querem preferem o que as favorecemdinheiro, ibope, te esquecem se não os tiverem..." Até Caetano Para finalizar, no funk, temos "pérolas" da banda Furação 2000, como Gorda Baleia (2) e Quer Bolete?. Esta última tem um erotismo cru, reforçando um discurso fálico segundo o qual a reclamação e o choro feminino podem ser curados através de sexo oral: "Alô mulherada...qué qué, qué bolete?tó toma, tó toma... pára de chorartoma bolete pára de reclamar". E sugere que a mulher, desde criança, é marcada pelo poder sedutor do falo: "Quando você era pequena não parava de chorarme pedindo a chupetinha para você chuparagora tu cresceu e pra não esquecercom a boca aberta me pedindo pra botar". Furacão 2000 fez fama ao cantar Tapinha não Dói, causando uma polêmica entre as feministas, tal como hoje Mastruz com Leite. Aliás, sucesso que foi celebrado por Caetano Veloso em shows de 2003. Mas, "pra não dizer que não falei das flores", encontrei uma letra da funkeira Tati quebra barraco que diz: "Tapinha nadanu meu homieu dou porradapára de marra e desce desse palcoque aqui no meu cafofosou eu que falo mais alto". O que, é claro, não afeta em nada o meu argumento. Inexiste neste discurso um questionamento sobre a forma como a mulher é exposta, o que fica confirmado por sua performance de palco, que reforça a idéia de "mulher objeto". Embrutecimento A resposta de Tati quebra barraco mostra que o desrespeito não vem só dos homens, revelando um tipo de sociabilidade que se fundamenta no uso da violência e, neste sentido, embrutece tanto homens como mulheres. Esta letra sugere que a igualdade entre homens e mulheres deve se dar oferecendo aos dois sexos a mesma condição para se "dar porrada", reforçando o ditado popular olho por olho, dente por dente. É por isso que, contrariando outra máxima popular, gosto não se discute, devemos sim, refletir sobre o que significa essa produção cultural que se legitima na palavra "entretenimento". Tais produções de massa (e o consumo subseqüente) reafirmam uma visão de mundo machista, indo de encontro a todos os avanços legais e simbólicos que vêem tentando diluir as desigualdades de gênero. E mesmo que se afirme que a maioria não gosta, simplesmente consome (porque aqui o reconhecimento significa estar informado sobre as últimas paradas de sucesso ou porque o ritmo sugere uma dança "maneira"), não teremos menores prejuízos. Quando não há constrangimento em cantar ou dançar canções que banalizam ou agridem a mulher, é porque os valores partilhados por nossa sociedade ainda o permitem. A música é o mais cotidiano dos objetos culturais ao circular em todos os meios (cinema, televisão, propagandas publicitárias, rádios, ciber-espaço) e, neste sentido, muito pode revelar de nós mesmos e do mundo em que vivemos. Parafraseando Thomas Mann, "a música é sempre suspeita". Daí a importância de, como sugeriu a amiga que enviou o e-mail, nos mobilizarmos através de ações diversas contra bens simbólicos que insistam na reificação da figura feminina ou no incentivo à violência contra a mulher. * Mariângela Ribeiro é mestre em sociologia e faz parte da equipe do Gajop (Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares) Referências: BOURDIEU, P. O poder simbólico. São Paulo: Bertrand, 1999. 247 p.CANDIDO, Antônio. Literatura e sociedade. São Paulo: T.A. Queiroz, 2000. 193 p.JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 1997. 431 p.MARTÍN-BARBERO, Jésus. De los medios a las mediaciones: comunicación, cultura y hegemonía. México: ed. G. Gili, 2002.ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo: ed. Brasiliense, 1998. Notas: (1) O repertório que se consagrou como representante por excelência de nossa tradição musical canta o amor, a beleza e/ou temas que nos dizem respeito sem teor de discriminação e/ou preconceito. Porém, nos anos 20 e 30, momento de culto à malandragem e à boemia, comportamento e espaço por excelência masculino, era comum encontrar incentivo à violência contra mulher (Ver Mulher Indigesta, de Noel Rosa, e Já Já, de Sinhô, por exemplo). Esta, ou era vista como mulher de malandro (que gosta de apanhar) ou idealizada e elogiada como rainha do lar (Amélia, de Mario Lago). Na fase da consolidação da MPB (Bossa Nova ao Tropicalismo), embora não seja regra, encontramos canções que dão voz a esse mesmo lado "amélia" tido como natural das mulheres. (2) Gorda Baleia é claramente preconceituosa e sugere violência: "você não é Carla Peres/ nem Luiza Brunet/ então presta atenção no que o Fabrício vai dizer/ gorda baleia/ vou te esculaxar/ bunda de borracha/ peito de maracujá".

2 de maio de 2007

DAS ANTIGAS II

Noutro dia comentei que deveria ter nascido com atraso de uns 20 anos. Em 2007 fecharei os '45' e me pego, vez por outra, recordando coisas que, parece, ainda são usadas no universo da matutice caririzeira. Sou de um tempo em que os dois ossos largos que ficam nas costas se chamavam de pá, ou pás. O sujeito ainda dizia assim: "tou com uma dor nas apá". Nesse mesmo tempo, ouvi o velho Ramirão - goleiro tão maravilhoso e famoso em Juazeirinho quanto Tafarel foi no Brasil - dizer que ainda segurava umas bolas jogando de "quipa", mesmo tendo quebrado o osso mucumbu. Vez por outra, quando sofríamos alguma queda frontal, saíamos com a bolacha do joelho arranhada, quando não avariada mesmo. Nesse mesmo tempo eu ouvia dizer que uma mulher não deveria pegar outro bucho antes de enxugar a mãe-do-corpo. Muitas vezes fui chamado pra cear ainda na boquinha da noite, muitas vezes coincidindo com a hora da ave-maria. Ainda ouvi muita beata gasguita tirar bendito em novenas de maio. Falar nisso, sou do tempo em que um defunto católico não seria enterrado sem passar diante da igreja, sem o padre encomendar sua alma, nem sem tirar um belo retrato exposto nalgum lugar com a família rodeando o caixão. Lembro como se fosse agora de quantas vezes senti dor na espinha, talvez até por conta de exercícios mal feitos que me renderam uma hérnia de disco bem depois. Nunca esqueci de quantas vezes levei croque de irmãos e amigos logo depois de raspar o cabelo ao estilo militar. Quantas e quantas vezes joguei gamão com parceiros que tinham cinco vezes a minha idade ou mesmo colegas do mesmo top que eu. Não poderia deixar de lembrar das vezes em que fiquei com a cabeça do dedão inchada ou a unha levantada por conta de um tropicão numa pedra ou beira de calçada. Realmente, quando em vez me pego puxando pela memória e vêm coisas até engraçadas e, por que não dizer, saudosas? Por exemplo, continuo achando que tem bem mais poesia em fazer enxerimento que em transar. Afinal, transa também pode ser negócio, enquanto que a outra expressão, ah, essa não deixa dúvidas, só cabe ali.

20 de abril de 2007

O CÃO DE PAVLOV

Não me conformo com a complacência do nosso povo, onde me incluo, com a triste memória da ditadura militar no Brasil. A Rua Presidente Costa e Silva, que teria muito mais sentido se fosse chamada João Goulart, por acaso, transformou-se em minha rua. Há tempos tento levar adiante a idéia do professor Benjamim de fazer um movimento com tal objetivo: mudar o nome e a futura Rua João Goulart (JG) teria sua continuidade na Avenida JK, que já existe em direção ao bairro do cruzeiro dando acesso à Catingueira, cruzando a Alça Sudoeste. Já conversei com vários moradores e, apesar da simpatia em relação à proposta, nunca nos mobilizamos para tal fim. A Costa e Silva junto com a JK se transformaram em minha pista de caminhada, assim como de umas duzentas ou mais pessoas todos os inícios das manhãs. No final do quarteirão onde fica minha morada, do mesmo lado da rua, tem uma casa que ocupa uns dois mil metros quadrados de terreno e que tem um grande pé de macaíba bem na esquina. Macaíba, pra quem não conhece, é uma palmeira também chamada de macaúba ou bocaiúva em outros lugares. A foto acima ajuda a puxar pela memória. O fruto da macaíba é um coquinho do tamanho aproximado de uma bola de tênis, de casca dura, mesmo tendo ela menos de um milímetro de espessura. Possui uma polpa babosa sob essa casca e um coco duríssimo com uma amêndoa em seu interior, muito parecida com uma castanha-do-pará. Pois bem! Esta manhã a caminhada me proporcionou uma viagem inesquecível à infância. Um carro passou rapidamente, bem em frente a tal casa, e seu vácuo tangeu pra junto de mim uma macaíba inteira e de aparência saudável que veio rolando no asfalto como se quisesse mesmo me encontrar. Minha reação foi imediata e apanhei a dita cuja, que já estava com a casca rachada, provavelmente pela queda ao se desgrudar da árvore. Este encontro mudou completamente meu dia e o rumo de minha caminhada. Absorto, deixei-me levar pela imagem da macaíba em minha mão e fui aos poucos desmanchando sua casca com as unhas, sentindo o seu cheiro, admirando sua polpa saudável e me embriagando de maravilhosas lembranças. Minha reação primeira fez lembrar o cão de Pavlov. Fiquei, literalmente, com a “boca cheia d’água”. Fui seguindo a caminhada e operando pacientemente até que metade da polpa já estava descoberta e aí você já pode imaginar o resto: dei uma dentada fenomenal na macaíba e pra quem conhece já sabe da seqüência. Os dentes grudados, a polpa babosa da macaíba se misturando com a saliva, a retirada de um pequeno pedaço, as fibras entranhadas entre os dentes e até agora o sabor memorável espalhado na boca. Não segui o roteiro completo da infância que seria: brincar um pouquinho com a macaíba substituindo uma bola ou tentar fazer uns malabarismos circenses com as mãos (ah, se fossem duas!), quebrar a casca, roer a polpa pacientemente até deixar o coquinho à mostra e ao final, munido de uma pedra razoavelmente pesada, quebrar o coco e se deliciar com a amêndoa complementando a farra. Tive que parar pra cuidar da vida. Aliás, até então eu não fazia outra coisa a não ser cuidar da vida, da boa vida guardada no baú de relembranças sensoriais, o gosto da meninice, as molecagens pelas ruas, monturos e matos de Juazeirinho, a maravilhosa liberdade (vigiada) que tínhamos quando a violência não fazia parte do cotidiano das crianças, podíamos correr livremente pelo mundo desenhando mapas imaginários, imitando faroestes do cinemascope, ou subindo em árvores, ou caçando ninhos de passarinhos, ou atirando de balinheira em calangos e lagartixas, ou em garrafas transformadas em alvos, ou apenas admirando os vôos rasantes dos bandos de andorinhas nos inícios das manhãs invernosas do cariri. A caminhada foi um sucesso. A viagem foi fantástica. O dia será de êxito. Estou vivo! Espero ter tempo e disposição pra encarar em breve a proposta da Rua JG.

18 de abril de 2007

O RITMO DA CHUVA

No final dos anos 70, quando me entendi de gente, ouvia e repetia ao violão coisas como essas: “Olho para a chuva que não quer cessar / Nela vejo meu amor...”, cantava Demétrius, enquanto Jorge (ainda apenas) Ben avisava que iria fazer uma prece pra Deus Nosso Senhor “... pra chuva parar / de molhar o meu divino amor”. Depois vem Hildon dizendo que qualquer lugar serviria: “Na rua, na chuva, na fazenda / Ou numa casinha de sapê”, pra ter o seu sonho de amor realizado. Já nos 80, no samba, Beth Carvalho gingava “A chuva cai lá fora / Você vai se molhar / Já lhe pedi não vá embora / Espere o tempo melhorar / Até a própria natureza / Está pedindo pra você ficar”. A canção é de autoria de Argemiro e Casquinha, da velha-guarda da Portela. Faria aqui uma lista quase sem fim de letras de canções belíssimas que recorrem ao tema chuva, relacionada quase sempre ao amor, nostalgia, saudade e, no caso da música regional nordestina, inevitavelmente, à seca. Vejam-se, por exemplo, o vasto repertório do Rei Luiz Gonzaga, de Dominguinhos e dos novos compositores como Maciel Melo, Petrúcio Amorim, Flávio Leandro, somente pra citar alguns de que mais gosto. Lobão, hoje bem mais conhecido pela acidez de suas críticas ao establishment musical, já pariu versos bucólicos e de um lirismo incomum em sua obra, de fazer inveja aos românticos dos anos 50. Quando puder, escute a bela canção. Veja e tire suas conclusões: “A chuva cai chorando/ E o meu amor vai e vem/ No céu, no chão/ A rede vai me vai levando/ A noite além da noite/ Me faz lembrar o que eu não vivi/ Toda essa história esse segredo/ Memórias num vendaval/ Pela estrada enquanto eu passo/ O cinema é só ilusão/ Vou chorando pelo campo/ No meio do temporal/ A chuva dá saudades/ De um lugar que eu nunca fui/ E o vento vai soprando/ Um choro tão distante/ Pela estrada enquanto eu passo/ O cinema é só ilusão/ Vou chorando pelo campo/ No meio do temporal.” Na verdade, puxei o assunto pra lembrar do quanto já ‘viajei’ em sonhos chuvosos, do quanto a imagem poética da chuva já mexeu com meus sentimentos até mesmo gerando alguns esboços de poemas que um dia, quiçá, virão a lume. Ouvi no rádio o que já havia confirmado em minha breve caminhada matinal e desde ontem já observava: o tempo está nublado na Serra da Borborema e traz bons presságios. Tão bons quanto um nambu cantando na capoeira ou um casal de rolinhas entoando seu canto melancólico do alto de um umbuzeiro já quase desfolhado lá pelas brenhas do eu cariri. A chuva traz saudades, revolve reminiscências e papéis amarelados, sonhos de barquinhos de papel em uma corredeira de meio-fio, uma biqueira de quintal ou um meio de rua em Juazeirinho, um carnaval adolescente, um açude sangrando, a babugem crescendo nas capoeiras, o juremal verdejando as serras antes cinzentas e o frio chegando. Saudades de uma Campina Grande menos quente, de um planeta terra mais amigável pra se viver, de um sereno curtido ao som de uma serenata e uns goles de “Mazile” ou “Casa Grande” com coca-cola, de uma madrugada esticada prum inevitável abraço no sol... Como bom defensor da tese que o melhor tempo é hoje, não devo lamentar o presente. Mas, ainda assim, não posso deixar de confessar que, pelas minhas pesquisas empíricas, a chuva e a noite, mais que o sol e o dia, sempre inspiraram mais os poetas e compositores. E por que não dizer, também, os amantes? Eis um poeminha sem data ou título, escrito há uns 15 anos. Torrencialmente chove. Pela rua, a aura do desejo esvai numa exasperação dorida. Cântico dolente fere o ar. É tarde, tarde, tarde...

27 de fevereiro de 2007

SAPATO VELHO

Há um trecho de canção que me acompanha desde a adolescência e com o qual já tive muitos namoros filosóficos. Uma curiosidade sempre me perturbou sobre a autoria da idéia, da frase, que acho fantástica como 'tirada' poética e filosófica.
Não sei, dentre os três parceiros, Mu, Claudio Nucci e Paulinho Tapajós quem seria o criador (ou criadores?) daquilo que considero uma pérola.
Veja e tire suas conclusões.
"(...) É talvez eu seja simplesmente / Como um sapato velho/ Mas ainda sirvo / Se você quiser / Basta você me calçar / Que eu aqueço o frio / Dos seus pés."
Quem nunca não se amarrou num sapato velho? O couro amaciado, o solado levemente gasto para um lado, o salto substituído numa reforma básica, um detalhe ou outro denunciando a idade...
Sinceramente falando, quem nunca guardou uma camiseta velha, poída, um furinho escondido, um cerzido disfarçado, o tecido já se esgarçando em uma parte ou outra? Isso sem falar de uma certa peça íntima que, com o passar do tempo, de tanto uso e perfeita integração, quase acoplada ao seu corpo você teve pena de jogar fora... tão macia, tão confortável que passou a ser roupa de dormir.
Lembro-me de um trecho que li sobre etiqueta e elegância masculina onde o sujeito afirmava que no guarda-roupa básico de um homem deveria ter um par de sapatos pretos, outro par marrom e um par de tênis. Com este conjunto você estaria pronto para qualquer coisa.
Eu que nunca fui de fazer coleção de sapatos tenho para uso pessoal uma sapatilha artesanal, de cordão trançado, comprada há quase 14 anos na feira de artesananto da torre de Brasília, a qual já me rendeu boas piadas e provocações machistas, mas que sinto-me leve com elas nos pés. Tanto que já se vão duas trocas na leve borracha que garante o apoio dos pés quando quero pisar macio e informalidade me permite. E a velha sapatilha lá, quase intacta, aquecendo o frio dos meus pés quando preciso.
Há algum tempo fui convencido, não sem muita luta e resistência, a doar um velho par de sapatos de cor marrom que já tinha dado muito de si em prol de minhas caminhadas e andanças por este mundão sem porteira, pelos bares, pelas noites, pelas cidades, aeroportos, rodoviárias, solenidades... Doei os sapatos com profundo pesar, pois havia me afeiçoado a eles e mesmo usando os tais muito raramente, sempre que pensava em me livrar dos mesmos batia uma espécie de sentimento de culpa, como uma ingratidão pelo tanto que me acompanharam.
Quase sempre me apaixono pelos meus sapatos, tênis, sandálias e mantenho com eles todos uma relação de afeto, de cumplicidade, como se eles me conduzissem silenciosamente, secretamente a lugares e emoções sem nunca cobrarem nada em troca.
Sempre me emociona ouvir a canção cantada por Roupa Nova, Cláudio Nucci, Quarteto em Cy, tanto faz, pelo seu lirismo, arranjo perfeito, vocais afinados e acima de tudo, pela sua beleza poética.
Depois de chegar com tranquilidade e razoável saúde à casa do 'enta' vejo-me um tanto assim também, como esse sapato velho. Quer dizer, nem tanto, nem tão pouco. Ainda não exatamente assim, mas preparando o 'espírito' e fortalecendo as energias corporais para resistir e de forma criativa nunca ser tratado como um sapato velho. De qualquer forma, a beleza da canção sempre provoca um arrepio ao cantar o trecho "(...) basta você me calçar / Que eu aqueço o frio / Dos seus pés".
É uma maravilha! A vida é bela!
Crédito da foto. "Sapatos", de Vincent Van Gogh

28 de janeiro de 2007

URÊIA-DE-PAU

Escrito assim mesmo, desta forma, pois era assim que falávamos. Não pegaria bem escrever "orelha de pau", porque acho que significaria outra coisa e não aquela iguaria tão singela e que enchia nossos paladares infantis. Até onde recordo era um pequeno bolinho, tipo sorda, feito de fubá de milho, ovos, açúcar e água ou leite, frito em óleo comestível. Algumas tardes era esse o nosso lanche favorito em Juazeirinho. Isso quando o tempo era de vacas mais ou menos gordas, pois na época das vacas magras não tinha lanche nenhum. Um refresco deito de Q-suco, complementado com um limão espremido (para dar aquele toque natural) e nós fazíamos a festa. Ficávamos à beira do fogão esperando o término da fritura, pois Dona Neide só liberava depois que terminava tudo e ainda depois de um resfriamento mínimo, porque, segundo ela, dava caganeira se comêssemos a 'urêia-de-pau' ainda quente. Disciplinadamente fazíamos aquela fila de espera com a boca salivando mais que cachorro quando vê ração da boa. Não lembro de lanche mais saboroso, uma verdadeira iguaria improvisada por minha mãe (e barata, vale dizer) pra dar conta de saciar nossos estômagos castigados. Teve tempos mais difíceis, tempos em que Dona Neide com sua criatividade e perseverança nunca deixou faltar o essencial, mesmo que isso viesse de 'ofertas' vindas do Restaurante de João de Arlindo, que funcionava no Posto de Gasolina a cem metros de nossa casa, aonde ela 'dava uma força' no apoio da cozinha e, naturalmente, conseguia arrebanhar, digamos, algumas coisas prontas que os clientes decidiram não consumir. Tempos duros aqueles. Não lembro de nenhum recalque que tenha ficado por conta das dificuldades que passamos, mas asseguro que foi uma grande aventura. As partidas de bola-de-meia, de finca, barra-bandeira, toca, pega-soltou, academia (que depois soube que chamavam amarelinha), as corridas de patinete, os 'breques' empurrados pelas ruas spróximas, as goiabas e melancias subtraídas dos sítios mais próximos como o de Zé do Motor, as pescarias de piaba, os banhos de açude, os banhos de chuva... ah! Belos dias! Parece que estou sentindo o cheiro da 'urêia-de-pau' feita por Dona Neide no fogão de brasa. Hummm! Essas lembranças!

19 de janeiro de 2007

ENTREVISTA - DIARIO DA BORBOREMA

Publicada no DB 19/01/2007, resolvi postar aqui a entrevista concedida à Jornalista Oziela Inocêncio.

Está em www.db.onorteonline.com.br

Rangel Júnior lançará novo CD

A obra, estritamente autoral, deverá ser finalizada até o final de março ou meados de abril

Oziella Inocêncio imprensajornal@gmail.com

O paraibano de Juazeirinho Rangel Júnior já trabalha com música há mais de trinta anos. Desde a mais tenra idade escutava o pai cantando samba e o avô declamando literatura de cordel e promovendo saraus em sua casa. Cresceu, assim, num ambiente que se pode chamar culturalmente rico. Também formado em Psicologia, com mestrado na área de Educação, exercendo a função de pró-reitor de ensino da Universidade Estadual de Campina Grande (UEPB), o músico, nos últimos seis anos, já despontou na cena campinense com três cds e agora se prepara para lançar o próximo, intitulado provisoriamente [como ele próprio salienta] de "Nordestino Brasileiro". O cd, que deverá ser lançado até o final de março ou meados de abril, no Teatro Municipal Severino Cabral, possui apenas composições suas o que diferencia dos demais já executados por ele, posto que costumeiramente apresentava parcerias com outros artistas. Neste caso, Rangel é acompanhado apenas na produção, que tem a participação dos músicos Jorge Ribbas e Lifanco. Entre os projetos para este ano, o cantor e compositor aponta que serão postos em cena dois libretos de cordel e um livro de contos e poemas, assim como uma serenata em homenagem às mães. Este foi um dos pontos que ele abordou no decorrer desta entrevista concedida ao Diário da Borborema.

DB-Quais novidades estarão neste novo CD?

Ranjel Júnior - Acredito que este novo cd é bastante diferente dos que eu já fiz, a começar pelas composições que são todas minhas. Nós iniciamos a gravação em dezembro, mas eu já vinha num processo de seleção de repertório, de concepção do disco há mais de um ano. Nele, eu mostro o meu universo composicional. É curioso, porque sempre me achei mais compositor do que cantor, mas como não tinha ninguém para cantar as minhas músicas eu acabei trazendo para mim esse oficio [risos]. O disco dispõe de uma gama de gêneros musicais. Passeia pelo forró, xote, chorinho, galope, samba, bossa nova, reggae, canção, marchinhas de carnaval, bolero, valsa, coco. É uma produção bem eclética e reflete o meu amadurecimento. Não quis me restringir a ficar fazendo discos apenas de forró, para lançar na época do São João. Acho que, hoje, isso para mim não faz muito sentido. O meu universo estético, as minhas influências são muito mais amplas e resolvi explorar isso. Não quero me prender a nenhum rótulo ou gênero, embora me mantenha fiel às raízes.

Mesmo considerando que o título é provisório, por que "Nordestino Brasileiro"?

Vejo que hoje se convencionou dizer que música brasileira é samba, é bossa nova, mas que o forró, o baião, é música nordestina. Mas o nordeste não é Brasil? Sendo um nordestino, um caririzeiro, posso cantar bossa nova com esse meu sotaque nordestino. O cd procura mostrar que a música não se limita às regiões. É como se o eixo-de produção musical estivesse apenas no Sudeste, uma visão preconceituosa.

Que espécie de música não gravaria?

A música vazia, que sequer considero música. Aquela que ofende as mulheres, que a trata como lixo, como cachorra, que são compostas de baixarias e pornografia. Essa música está para MPB assim como o filme pornô está para o filme erótico, um gênero diferenciado. Há na história da literatura e da música grandes artistas que tratam de erotismo, mas sem recorrer a baixarias. A música de duplo sentido é diferente, para fazê-la com maestria é preciso inteligência e nem todos sabem jogar com as palavras e com o subjetivo.

Qual tema é recorrente em suas composições?

As relações humanas, em especial a que trata da relação homem-mulher. Procuro traduzir sentimentos universais nas minhas composições. Conto histórias minhas, de amigos meus, mas que também se confundem com meus próprios sentimentos. Por exemplo, tenho nesse novo cd um xote que compus para Florbela Espanca e que reflete uma fase que tive.

Se não fosse pró-reitor daria para sobreviver de música?

Daria e viveria melhor [risos]. Eu nunca investi muito na música. Ela sempre foi para mim diversão, prazer, lazer e por isso, o maior retorno da minha produção foi afetivo e as compensações, emocionais. Mas acredito que se eu investisse mais de modo financeiro mesmo, divulgasse com uma boa estrutura, um bom material midiático, daria para sobreviver apenas de música. Acho que seria mais feliz. No meu caso, há um professor que sustenta o artista. Sempre me senti artista a vida inteira, mas num determinado momento percebi que não daria para sobreviver apenas desta maneira, então tomei outros caminhos. Considero que conseguir aliar o prazer a algo que ainda te mantém, do ponto de vista financeiro, é o que chamam de realização.

Considera que a nova safra de músicos de Campina Grande é promissora?

Certamente. Tem muita gente produzindo hoje, grandes instrumentistas. Da cena contemporânea posso citar Toninho Borbo, Pepisho Neto, Aerotrio, Jorge Ribbas, Júnior Cordeiro, Sandra Belê, afora os que estão produzindo agora e ainda não conhecemos. O que falta na cidade é movimentar o fluxo de apresentações artísticas, mostrar o que se produz. A estrutura campinense para isso se restringe quase sempre apenas a bares. Isso associa a cultura ao entretenimento, à bebida, por isso as pessoas não vêem a arte como espetáculo que pode ser contemplado independentemente. O que vejo aqui é que temos um equipamento cultural muito bom, boas salas de espetáculo, mas falta a efervescência artística que há em João Pessoa, por exemplo.

A que se pode atribuir isso?

Há uma grande lacuna em Campina no que se refere a produtores culturais que tenham a coragem de investir no novo, no que é produzido aqui. Existe um círculo vicioso que os faz investir apenas no que dá lucro e temer os novos talentos. De certa feita, mostrei um trabalho meu para um produtor daqui. Ele gostou muito, mas disse que não podia trabalhar com ele porque o povo aprecia um trabalho de nível cultural mais baixo. Mas quem disse isso? Onde está postulado isso? Dizem que os cães gostam de osso, mas se dermos carne o que ele preferirá? Esse é um bom exemplo. Penso que essa visão é preconceituosa e rotula as pessoas.

Qual o sentido de ouvir e produzir música, de dedicar-se ao cultivo da arte?

Eu respiro música e literatura desde a infância. Apanhava da minha mãe para parar de ler, porque deixava queimar a comida nas panelas [só tinha homens em casa e também cuidávamos da cozinha] porque estava entretido nas minhas leituras. E sempre ouvia dela "você vai ficar doido de tanto ler". A arte e, principalmente, a música faz parte da minha vida muito mais do que qualquer coisa. Eu deixaria tudo menos a música. Viver sem música para mim é como viver sem água.

10 de janeiro de 2007

EU, MARIA E O POSTE!

A pedido, conto aqui uma pequena historinha. Indicado pelo cangaceiro Dimas Xavier (teixeiroso de nascença e coração), fui convidado para falar sobre poesia popular, cordel, cultura e globalização, na cidade de Teixeira. Era o ano de 2001, se não me falha a memória. Na mesa, falando antes de mim, a poeta Julita Nunes discorrendo sobre os poetas e histórias das cantorias e escritores de Teixeira. No meio de sua fala ela contou a história de um cidadão que não era cantador, repentista, mas um grande apologista e fazedor de motes pros cantadores. Contou que este cidadão (de quem não lembro o nome, infelizmente) vez por outra oferecia o mesmo mote para duplas de cantadores de viola ou glosadores tentarem "matar", que é uma das expressões usadas quando o poeta consegue glosar bem com o mote oferecido. O mote era "EU ESPERO QUE UM DIA AQUELE POSTE / 'INDA CAIA NA CABEÇA DE MARIA". Todos riram no auditório e eu também, lógico! É, de fato, um mote, vamos dizer assim, exótico. Calado, peguei a pensar no assunto e antes da poeta Julita Nunes terminar sua palestra, lhe entreguei um pedaço de papel com a seguinte glosa: MARIA APARECEU EM MINHA VIDA DESPERTANDO EM MIM LOUCA PAIXÃO MAS DEPOIS ME LARGOU, VIROU PERDIDA PELAS BRENHAS ARDENTES DO SERTÃO. NÃO LHE QUERO MAL PELO QUE FEZ MAS CONFESSO SEM PENA PRA VOCÊS NESSAS LINHAS EM FORMA DE POESIA: MESMO QUE DA DANADA EU 'INDA GOSTE EU ESPERO QUE UM DIA AQUELE POSTE 'INDA CAIA NA CABEÇA DE MARIA. Foi uma boa 'glosada' e o público gostou. Comecei a declamar nas apresentações ao vivo e depois até gravei no CD Nordestino Cantador. É isso!

4 de janeiro de 2007

NÓS E OS CICLOS

Os Ipês perderam todas as flores ainda nos inícios de Dezembro. Restam alguns adolescentes que, mais viçosos, sustentam sua florada escassa por mais uns dias. Enquanto isso, mangueiras outrora bombardeadas de flores já incharam seus manguitos e começam a amarelar preparando safra nova. Os maturis já se transformaram em doces cajus e já adoçaram milhares de mesas e deliciaram amantes da cachaça. Serigüelas verde-oliva espremem-se em cachos esperando a hora certa de fazerem salivar até os paladares mais sofisticados. As Acácias amarelas estão apinhadas de flores, buganvílias roxas, vermelhas, amarelas e até brancas brincam de trepar por sobre as cercas dando um colorido todo especial, emoldurando casinhas brancas e sonhos de quem nelas presta à atenção. O ciclo da vida, o ciclo das flores, da natureza toda se reflete dentro da gente. Os ciclos, nós os adotamos como forma de tentarmos nos aproximar mais da natureza, do cosmo. Os seres humanos somos muito engraçados. Eu, que tempos atrás detestava efemérides, menos pelas coisas em si e mais pelo uso comercial abjeto que fazem delas: natal, ano novo, aniversários, comemorações gerais... hoje, me vejo compreendendo, para além do abuso mercantilista do nosso apego às datas, como o ser humano se esforça para, mesmo modificando a natureza para adequá-la a si, mesmo agredindo-a permanentemente, tentar entrar na sua lógica, no seu ritmo. Afinal, a lua, os astros todos, o Astro-Rei, o movimento e a relação de tudo quanto existe no universo são ou não uma verdade absoluta? Assim como os Ipês que perdem as folhas e se preparam para daqui mais um ano voltarem para encher nossos olhos, como o ocaso, a noite, a madrugada, o albor, o novo dia que chega, somos parte desta mesma lógica que, queiram alguns ou não, é dialética, apenas funcionando com diferentes ciclos, distintos períodos. Se a vida, a natureza, o cosmo se movimentasse em círculos, como querem alguns, viver e tudo que lhe guarde relação seria uma coisa muito sem graça. Imagine a gente sabendo exatamente quando e onde tudo passaria novamente pelo mesmo lugar, numa espécie de moto-contínuo e ao mesmo tempo lugar-comum. Mesmo quando a roda-gigante volta lá em cima pelo mesmo lugar em seu giro teimoso, as emoções, os sentimentos jamais serão os mesmos. A música, o suor das mãos, o desejo de dizer algo... O mundo gira, é bem verdade. A vida se movimenta e tudo se relaciona. Tudo está em movimento e em permanente relação. Tal movimento, me parece, está bem mais próximo de algo que ocorre em espiral e não em movimento circular. Ou seja, quando tudo parece estar se repetindo é exatamente a passagem de um ciclo que se repete. Entretanto, nunca da mesma forma, pelo mesmo lugar. Se for verdade que tudo está em movimento e em relação, este novo ciclo será sempre diferente do anterior. As flores do Ipê jamais poderão ser iguais às do ano passado, sua copa, o dia exato em que ele atingirá aquela forma mais bela. Mais bela aos olhos de quem, se eu também não serei mais o mesmo e quem olhou o mesmo Ipê, degustou o mesmo caju, encheu os olhos com a florada das buganvílias já não é mais a mesma pessoa? Como repetir o sabor de um beijo? Um movimento de línguas? Um fremir de corpos? É esse movimento (de tudo) que apaixona. É a tentativa de compreendê-lo, de apropriar-se de sua lógica que fervilha em um cérebro inquieto e avisa que é hora de preparar a cama e fechar mais um ciclo. A inocente aceroleira do meu escasso jardim, antes quase destruída pelas formigas-de-roça, brevemente nos dará frutos. Espero que maravilhosos em seu rústico sabor agridoce. Celebremos, pois, mais um ciclo, mais um ano, mais um dia, mais uma noite, mais um sonho. Evoé!

1 de janeiro de 2007

REFLEXÃO DE COMEÇO DE ANO

Se você não gostou do que aconteceu com sua vida no ano que acabou... relaxe! Como tudo o mais na vida ocorre em ciclos, prepare-se: você está recebendo um ano novinho em folha para gastar durante 365 dias. Com perseverança, paciência, coragem e prudência você terá grandes chances de fazer bem melhor.

LISTA DE DESEJOS PARA 2007

Que a saúde de Dona Neide (minha Mãe) continue firme e a gente possa juntar os que se gostam daqui a 365 dias e comemorar tudo de novo; Que Vinícius continue com seu sorriso largo alegrando os dias do novo ano, teimosamente como tem feito desde o dia que aprendeu a sorrir e Taiguara seja o homem em formação que tem prometido ser até hoje, por suas ações e sentimentos; Que a vida de Camilla (depositária dos meus melhores sentimentos amorosos) possa se desdobrar em novas descobertas da boa vida a dois, reafirmando a possibilidade de um amor intenso, suave e duradouro; Que Zé Neto, Gilberto, Marcos, Fernando, Bosco e Ana Maria descubram na vida a maravilhosa construção de novos caminhos a cada dia novo que a vida lhes oferecer; Que meus amigos todos estejam vivos, com saúde e gozando de harmonia para que continuemos a comemorar (e principalmente bebemorar) a beleza da vida simples e a generosidade de sermos amigos; Que as pessoas que não gostam de mim, por razões que não sei (ou talvez até saiba) percebam que não vale a pena e não guardem rancor por atitudes ou omissões que, sem saber ou querer, tenham-nos feito distanciar ou alhearmo-nos de uma possibilidade de relacionamento fraterno; Que o Brasil retome o rumo do desenvolvimento com justa distribuição da riqueza, por milhões gerada, e apropriada por tão poucos; Que alguns valores fundamentais à cultura e à memória das identidades do nosso povo conquistem mais espaços de preservação e difusão, refutando a mesmice sem-vergonha da indústria do entretenimento, principalmente na música; Que a UEPB continue seu caminho de crescimento e fortalecimento revelando novos tempos, novas práticas de respeito e preservação da res publica; Que eu possa participar de tudo isso, pois, certamente, se assim acontecer eu serei um pouquinho mais feliz.