4 de janeiro de 2007

NÓS E OS CICLOS

Os Ipês perderam todas as flores ainda nos inícios de Dezembro. Restam alguns adolescentes que, mais viçosos, sustentam sua florada escassa por mais uns dias. Enquanto isso, mangueiras outrora bombardeadas de flores já incharam seus manguitos e começam a amarelar preparando safra nova. Os maturis já se transformaram em doces cajus e já adoçaram milhares de mesas e deliciaram amantes da cachaça. Serigüelas verde-oliva espremem-se em cachos esperando a hora certa de fazerem salivar até os paladares mais sofisticados. As Acácias amarelas estão apinhadas de flores, buganvílias roxas, vermelhas, amarelas e até brancas brincam de trepar por sobre as cercas dando um colorido todo especial, emoldurando casinhas brancas e sonhos de quem nelas presta à atenção. O ciclo da vida, o ciclo das flores, da natureza toda se reflete dentro da gente. Os ciclos, nós os adotamos como forma de tentarmos nos aproximar mais da natureza, do cosmo. Os seres humanos somos muito engraçados. Eu, que tempos atrás detestava efemérides, menos pelas coisas em si e mais pelo uso comercial abjeto que fazem delas: natal, ano novo, aniversários, comemorações gerais... hoje, me vejo compreendendo, para além do abuso mercantilista do nosso apego às datas, como o ser humano se esforça para, mesmo modificando a natureza para adequá-la a si, mesmo agredindo-a permanentemente, tentar entrar na sua lógica, no seu ritmo. Afinal, a lua, os astros todos, o Astro-Rei, o movimento e a relação de tudo quanto existe no universo são ou não uma verdade absoluta? Assim como os Ipês que perdem as folhas e se preparam para daqui mais um ano voltarem para encher nossos olhos, como o ocaso, a noite, a madrugada, o albor, o novo dia que chega, somos parte desta mesma lógica que, queiram alguns ou não, é dialética, apenas funcionando com diferentes ciclos, distintos períodos. Se a vida, a natureza, o cosmo se movimentasse em círculos, como querem alguns, viver e tudo que lhe guarde relação seria uma coisa muito sem graça. Imagine a gente sabendo exatamente quando e onde tudo passaria novamente pelo mesmo lugar, numa espécie de moto-contínuo e ao mesmo tempo lugar-comum. Mesmo quando a roda-gigante volta lá em cima pelo mesmo lugar em seu giro teimoso, as emoções, os sentimentos jamais serão os mesmos. A música, o suor das mãos, o desejo de dizer algo... O mundo gira, é bem verdade. A vida se movimenta e tudo se relaciona. Tudo está em movimento e em permanente relação. Tal movimento, me parece, está bem mais próximo de algo que ocorre em espiral e não em movimento circular. Ou seja, quando tudo parece estar se repetindo é exatamente a passagem de um ciclo que se repete. Entretanto, nunca da mesma forma, pelo mesmo lugar. Se for verdade que tudo está em movimento e em relação, este novo ciclo será sempre diferente do anterior. As flores do Ipê jamais poderão ser iguais às do ano passado, sua copa, o dia exato em que ele atingirá aquela forma mais bela. Mais bela aos olhos de quem, se eu também não serei mais o mesmo e quem olhou o mesmo Ipê, degustou o mesmo caju, encheu os olhos com a florada das buganvílias já não é mais a mesma pessoa? Como repetir o sabor de um beijo? Um movimento de línguas? Um fremir de corpos? É esse movimento (de tudo) que apaixona. É a tentativa de compreendê-lo, de apropriar-se de sua lógica que fervilha em um cérebro inquieto e avisa que é hora de preparar a cama e fechar mais um ciclo. A inocente aceroleira do meu escasso jardim, antes quase destruída pelas formigas-de-roça, brevemente nos dará frutos. Espero que maravilhosos em seu rústico sabor agridoce. Celebremos, pois, mais um ciclo, mais um ano, mais um dia, mais uma noite, mais um sonho. Evoé!

5 comentários:

Anônimo disse...

Muito lindo!
Parece que o nosso 'escrevinhador' está de volta.
Ah, não sei se de propósito, mas acho que onde vc. escreveu 'azeroleira' vc. queria escrever 'aceroleira', se eu bem entendi.
No mais, tá perfeito!

Anônimo disse...

Êita, bicho de 7 cabeças!
Cabra desembestado!
Fí duma égua inteligente, solto na buraqueira da filosofia, enchendo nosso sentido de Natureza. Bom te ver na solta, desatrelado das mágoas que nos consomem, do bicho hôme comendo hôme nas desavenças da vida. Grande abraço meu irmão, o teu texto tá pra lá de bom.

RANGEL JUNIOR disse...

Tá valendo poeta. Honrado por suas visitas!
Se o pensador inglês disse antigamente que o homem é o lobo do homem, imagine quem seria o 'homem do lobo'? Talvez o próprio homem, não? Vamos pensar?

Anônimo disse...

Valeu Rangel! Texto porreta.

É tudo muda e que a cada instante vivemos novos momentos, e temos pensamentos diversos, mesmo que pareçam não mudar. É isso que quebra a monotonia ....
Xêro

marleide duarte disse...

BB... poesia é vida... poeta é luz...é certo que Deus cobrará de cada um o exercicio de dons que ele nos concebeu. Voce é bem aventurado, pq Deus te potencializou com um dos maiores e mais bonitos dos DONS...o poético. continue assim falando de amor, paz e acima de tudo sendo exemplo de pessoa linda abençoada e cheia de beleza... com alma nobre. JESUS te ama MUITO. Vc é um presente de Deus ao cruzar o caminho de pessoas que ao conhece-lo tem a certeza de que vale apena acreditar na bondade e na grandeza de homens de bem. Fica com Deus. Iluminado
Marleide