26 de março de 2009

O POETA E O MATUTO

De costas pro mar, o poeta observa o vei-e-vem dos transeuntes. Taciturno, cansado de carregar nos ombos o Sentimento do Mundo, apenas contempla o movimento, sem se dar conta que depois dele ficou mais fácil pros que ficaram carregar nos ombros o tal 'sentimento'. Aqui acolá um ou outro para prum registro, um caminhante, um turista acidental, um que quem sabe quem ele é, outro que gostaria de consertar seus óculos de lentes imaginárias, que algum vândalo achou por bem de quebrar. É assim que as coisas são... Quem sabe não dá pra aprender algo mais com o itabirano que falava com a mesma simplicidade do erotismo amoroso e do sofrimento de José, que não sabia 'para onde (?)'... É assim que as coisas são! A vida é! O tempo é quando!

2 comentários:

Anônimo disse...

Carissimo Rangel,

Mas,que MARAVILHA!E que belo presente para nós leitores.
O "encontro" de dois poetas e de inumeras semelhanças.
Os homenageios, com um poema desse estupendo escritor e poeta.



PROCURA DA POESIA


Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou de dor no escuro
são indiferentes.
Nem me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem do equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

(Carlos Drummond de Andrade)



Que tenhas um maravilhoso fim de semana.


Um abraço,

Débhora Melo.

ALFRAPOEMAS disse...

Somente para lembrar:

Meu caro amigo Rangel,
Drummond tinha qualidade!
Porém, você, sem vaidade,
Serviu vinho e bebeu fel.
Esquecendo o seu papel,
Num desprezo absoluto.
- Não queira ser diminuto!
O título traz pouca fé,
Ponha outro, isto não é
“O POETA E O MATUTO”.

Grande abraço.

Alfrânio.