QUAIS SÃO OS SEUS?
Palavras e imagens. Impressões e olhares sobre o mundo e as relações. Um pouco de cada coisa: educação, universidade, cultura, arte, política, gente...até poesia e outras formas de escrita.
QUAIS SÃO OS SEUS?
Cada dia me convenço mais de que esse negócio de marketing não é pra quem quer, mas pra quem ou sabe ou ao menos leva jeito.
Vou mostrar nas próximos postagens uma pequena prova do que estou dizendo.
Vinha eu tranquilamente saindo da feira no último sábado, perto do meio dia, e me deparo com este anúncio. Não resisti.
A primeira sensação que tive foi uma mistura de confusão com vontade de rir.
O que está mesmo à venda é o carro, claro. Mas reflita e me diga se a mensagem não tá truncada? Quantas mensagens não podem ser tiradas destas imagens e textos?
O que está mesmo à venda?
De quebra, aproveito e faço aqui um comercial gratuito pro cidadão.
Eu, hein?
A foto é do ano de 1976 ou 1977. Banda Marcial do Colégio Municipal Severino Marinheiro. Desfile do 7 de Setembro. O tocador de bumbo (ou Bombo) sou eu!
Era de fato um orgulho nosso, de todos, o desfile do 7 de setembro, dia da Independência Nacional.
Começávamos a semana com o hasteamento da bandeira na parte da frente do colégio, em fila, do menor para o maior. Entoávamos o Hino Nacional, devidamente ensaiado antes e com a letra fartamente ensinada no período anterior, principalmente a partir da última contracapa dos cadernos da FENAME.
A preparação para o Dia da Independência era algo fantástico. Tempo de extravasar fantasias, reavivar o sentimento patriótico e demonstrar, na prática, como se deveria reverenciar as Armas Nacionais, a Bandeira Nacional, o Hino Nacional Brasileiro.
Logo a partir do retorno das férias do meio do ano começavam os ensaios. Os 'escolhidos' para tocar na banda (que era a maior honraria pros meninos) começavam os ensaios em separado e no caso das meninas escolhidas para 'baliza' (que era o maior orgulho do lado feminino) já começavam a treinar as evoluções e malabarismos que iriam fazer à frente da banda e de cada um dos 'pelotões' do desfile.
A nomenclatura utilizada talvez não fosse a mais adequada. Entretanto, o nosso sentimento de civismo e comemoração sincera da "independência do Brasil" era algo de arrepiar até os mais insensíveis.
A preparação durava ao menos uns dois meses e às vésperas do desfile ensaiávamos diretamente na rua, com banda e tudo o mais. Somente a farda era a surpresa do 7 de setembro. A farda da banda, as indumentárias das balizas, os 'pelotões alegóricos" que ressaltavam belezas nacionais (na linha do ufanismo estado-novista ou do governo do golpe de 64), essa parte mais artística e mais nobre somente era conhecida no dia do desfile. Era pra causar sensação!
Na véspera do desfile juntávamo-nos todos da banda pra 'passar' os últimos detalhes e dar o último polimento nos instrumentos e fazer a afinação final. Bumbos-fuzileiros, surdos, caixas, taróis, pratos, cornetas... tudo tinindo com um bom banho de 'kaol' e uma flanela esfregada à exaustão.
A saída do colégio era algo fantástico, rodeado de tensão, de expectativa e lá íamos nós, pequenos brasileiros saudando uma independência da qual não tínhamos, a bem da verdade, pouco mais que uma vaga idéia a partir do quadro fantasioso do "Grito do Ypiranga" pintado pelo genial paraibano Pedro Américo.
Dois outros momentos eram considerados o ápice da festa: primeiro a passagem em frente ao palanque das autoridades (civis, militares e eclesiásticas - era assim que anunciava o locutor Inácio na difusora), geralmente armado em frente à prefeitura. O segundo momento ficava por conta do 'encontro de bandas' que era o momento em que, em alguma parte do desfile cruzávamos as bandas marciais do "Colégio Novo", com o "colégio Velho".
Pra ser fiel à verdade dos fatos, aquele encontro era o momento da velha rixa política entre os Marinheiros (do Colégio Municipal Severino Marinheiro - o Colégio Novo) e os Matias-Vital (do Grupo Estadual Manoel Vital - o Colégio Velho).
O 'encontro das bandas' era o cruzamento, em algum momento do desfile, quando as bandas passavam, em sentido contrário e cada uma tentava 'tirar um dobrado' mais bonito ou mais complexo, todos batiam nos instrumentos ao ponto de "rasgar os couros" (já peles hidráulicas) na tentativa de abafar o som da outra banda e comprometer o andamento, o compasso, o ritmo.
Apesar da história comprida, vale a pena lembrar que, àquela época, o "Colégio Velho" torcia pra que o 7 de setembro fosse dia de sol, pois, em razão de carências materiais, a maioria das peles dos seus instrumentos eram peles animais e não sintéticas, o que exigia um bom tempo ao sol para "esticar" e garantir a afinação com boa sonoridade. Agenor e Nego Toca que o digam!
Eu, à frente da banda, ao lado de Nenen de Jaime, com meu 'fuzileiro', esparadrapo nos dedos, elástico nas baquetas pra garantir uns malabarismos bacanas e uma disposição de "mamar em onça" era o exemplo vivo da alegria e êxtase. O verdadeiro orgulho nacional.
De tanta saudade resolvi ir a Juazeirinho assistir ao desfile do 7 de setembro, fotografar pessoas e cenas do desfile pra avivar a memória e fazer tirar um pouco o mofo do meu baú de reminiscências.
Sem aquele ufanismo absurdo do governo de 64 creio que o 7 de setembro ficou mais brasileiro, mais real.
Passando por Monteiro na semana passada, em um evento da UEPB, ouvindo ao longe o ecoar da fanfarra de algum colégio da cidade, ensaiando pro 7 de setembro, era impossível não arrepiar. Como chorão dos bons, os olhos foram marejando, a voz embotando na garganta e fui saindo aos poucos de perto da roda de conversa pra não ter que dar explicações a ninguém.
Afinal, sei lá se iriam entender essa história comprida e mais encompridada ainda pelos rodeios do contador. Sei lá...
Da esquerda para a direita.
Em pé - Junior de Tonito, Wilson (Burra-preta), Evaristo (vovô), Boroga, Antonio João, Nenen de Jaime, Roberto de Chico Soares e Val de Euclides.
Agachados - Manoel, Neto de Tonito, Gilberto de Tonito, Zominho de Antõe Gregório, Pedro de Josino, Toinho de Euclides e Tota de Bertino.
A foto (Novembro de 1975) foi feita no jogo de estréia do Marinheiro Sport Club (assim mesmo, meio inglês), que foi uma equipe montada a partir de estudantes do Colégio Municipal Severino Marinheiro, mas, como se dizia na época, "enxertado" com alguns craques de fora.
Alguns desses poderiam muito bem ter chegado à seleção brasileira. Com destaque lembro bem das jogadas de Val e Toinho de Euclides (uma família de grandes craques da pelota). Toinho, inclusive, tinha uma capacidade de verdadeira bomba com seu pé direito. Ainda jogamos futebol de salão (ainda não era "futsal") juntos no início dos anos 80 em Campina Grande, pelo time do Balcão da Economia.
Pedro de Josino era um craque. Nenen de Jaime jogava bem. Boroga e Burra Preta chegaram a formar, junto com Titico (que não está na equipe), uma das melhores zagas do mundo. Ao menos das que eu vi jogar. Zominho jogava bem, assim como Tota. Roberto Soares levava jeito. Evaristo era um bom goleiro. Tinha lá seus momentos de tragar um galináceo, mas isso acontece com os grandes.
Eu, Gilberto e Neto, aí já é uma outra história. Que eu me recorde, Neto tinha um certo jeito no trato com a Bola. Gilberto, magrelo de mais que era nessa época, não ia muito longe na carreira futebolística e, como eu, ficava na reserva. Quanto a mim, sinceramente, minha maior especialidade na lateral esquerda era deslocar os pontas-direitas pra cima da cerca de avelós que demarcava as fronteiras do "estádio" municipal de Juazeirinho.
Ainda hoje acredito que nem todo mundo precisa ser craque pra jogar bola. O melhor exemplo disso talvez seja a seleção brasileira.
Formávamos boas equipes de futebol. Sem essa de futebol de alto nível ou rendimento, mas esse era o nosso esporte preferido e praticado or quase todos os gerotos. Nesse jogo de estréia do "Marinheiro", por exemplo, vencemos o Ferroviário por 6 x 1. Não tenho registro sobre a escalação nem a autoria do gol de honra do Ferroviário. Do nosso lado foram gols de Pedro de Josino, Neto, Tota, Toinho e Zominho (2).
Sou saudosista? Creio que sim e adoro o presente por isso. Ele está emprenhado de futuro, mas não apaga o passado. Ao contrário vive retroalimentado por ele.
Deixei de jogar bola há muitos anos, mas sinto saudades e vez por outra prometo que vou voltar, mas termino ficando sempre nas minhas caminhadas e corridas leves.
A imagem da equipe de futebol em pose tradicional, as expressões dos "atletas", as lembranças do grandes e maravilhosos momentos de um tempo muito divertido e saudável, quando a vida ainda não era levada tão a sério. Aliás a vida era só viver!
Foi por esta época também que Zominho começou a me ensinar os primeiros acordes ao violão. Coincidentemente, depois de aprender um pouco e descobrir que tinha mais jeito pra música do que pra bola, adquiri meu primeiro violão justamente de Tota de Bertino. Um Giannini com cordas de aço que foi destruído posteriormente num "acidente" doméstico que, por ser uma longa história eu conto outro dia.
Este texto foi publicado no portal www.vermelho.org.br. Achei por demais merecedor de uma opstagem aqui.
Por Mariângela Ribeiro*
Circula atualmente pela internet um e-mail que denuncia a discriminação e o preconceito declarados numa canção da banda Mastruz com Leite. Refiro-me à Bomba no Cabaré, que diz o seguinte:
Mastruz com Leite: machismo
"Jogaram uma bomba no cabaré / voou pra todo canto pedaço de mulher / foi tanto caco de puta / voando pra todo lado / dava pra apanhar de pá, / de enxada e de colher! / no meio da rua tava os braços da Tereza / No meio fio tava as perna (sic) de Raché / Em cima da telha os cabelo (sic) de Maria / No terraço de uma casa os peito (sic) de Isabé! / Aí eu juntei tudo e colei bem direitinho / fiz uma rapariga mista, / agora todo homem quer / pode jogar uma bomba lá no cabaré / que eu junto os cacos das putas / pra fazer outra mulher".
O problema é que esse tipo de discurso é mais comum do que pode parecer aos ouvidos não poluídos pelos sons cotidianos de nossas cidades.
Em Bomba no Cabaré encontramos um discurso social totalmente desrespeitoso com nós, mulheres em geral, e, particularmente, com as profissionais do sexo. Discurso que não é novo na música popular no Brasil (1). Mas que, atualmente, traz um teor de banalização a níveis antes inimagináveis. As letras criadas entre os anos 30 e os 70 parecerão inocentes...
Aos mais relativistas, esta afirmação pode soar preconceituosa ou moralista. Mas não o é. Destaco apenas a substituição da poética (que colocou a nossa música como referência mundial) por um naturalismo sem graça, para não dizer preconceituoso e violentador do sublime, do humano.
E não estou sugerindo que falta inspiração ou cultura aos criadores individuais da atualidade. Mas lembro que estamos tratando de canções fabricadas por uma indústria poderosa, que trabalha com padronizações, estilizando (e piorando) os elementos absorvidos do popular. Esta indústria cultural é expressão de um tempo marcado por mudanças nas práticas culturais, econômicas, políticas e sociais que se traduzem num individualismo profundo.
"Eu sou o que consumo"
Neste mundo fundamentado em modos mais flexíveis de acumulação de capital, a atuação e influência dos meios de comunicação tornaram-se complexas. Com a fragmentação do processo produtivo, os elementos culturais ganharam novas feições fundamentadas em tecnologias de ponta: "a fórmula substitui a forma".
Para um público cada vez maior, novos produtos são criados com uma velocidade ímpar, legitimando o padrão cultural do "capitalismo tardio", isto é, o consumo enquanto "direito pessoal" que expressa "liberdade de escolhas".
Entendendo padrão cultural como a maneira de "estar no mundo", os valores que legitimam os comportamentos, conclui-se que, "no processo de globalização, a cultura de consumo desfruta uma posição de destaque. (...) ela se transformou numa das principais instâncias mundiais de definição da legitimidade dos comportamentos e dos valores" (Ortiz: 1998, p.10). Dito de outra forma, eu sou o que consumo. Minha identidade está nas mercadorias materiais e simbólicas que adquiro.
Assim, independente da origem destas produções, elas revelam "denominadores comuns" do chão histórico em que são criados. Antônio Cândido nos ensina que estes denominadores são elementos sociais e psíquicos partilhados por uma determinada sociedade. A obra de cultura (nesse caso, a canção) é considerada, assim, um sistema simbólico que faz a mediação entre o indivíduo e o social.
Machismo clássico
Seguindo esta lógica, Bomba no Cabaré representa valores e comportamentos do nosso "senso comum" - que oferece elementos para a criação de bens simbólicos ao mesmo tempo em que é formado/confirmado pelo discurso divulgado pela mídia.
O pior, numa rápida busca na internet, vi que este tipo de discurso naturalista e agressivo/desrespeitoso às mulheres (e também aos homossexuais e aos transexuais, que aqui não tratarei) é encontrado nos gêneros musicais mais populares da atualidade, como os forrós estilizados e o funk carioca.
Mastruz com Leite está entre os chamados forrós estilizados e seu discurso não se distancia de tantos outros, como demonstram canções de Cavaleiros do Forró e Calcinha Preta. Na referida pesquisa virtual, as letras deste estilo trazem fortemente a ideologia machista clássica.
Uma do grupo Cavaleiros do Forro chamada Esporte de Mulher (Karatê) diz assim:
"Homem gosta de forróde cachaça e de mulherseu esporte é o futebol (...)
mas o esporte de mulher é o karatêo cara ter um carroo cara ter dinheiroo cara ter fazendanão precisa ser solteironão precisa ser bonitobasta só o cara ter".
Segundo compositores como João Ribeiro (de Esporte de Mulher), a mulher é colocada não só como um ser em busca de dinheiro, status financeiro, mas como alguém incapaz de pensar em outros meios de obtê-los. Não se cogita outras formas dela conseguir a posição/riqueza que deseja. A única saída é arrumar um homem que realize seu "sonho".
Os politizados Racionais MC's também afirmam esta idéia em Mulheres Vulgares:
"Se liga aí: derivada de uma sociedade feministaque considera e dizem que somos todos machistasnão quer ser considerada símbolo sexualluta para chegar ao poder, provar a sua moralnuma relação na qualnão admite ser subjugada, passada para trásexige direitos iguais... e o outro lado da moeda, como é que é? pra ela, dinheiro é o mais importanteseu jeito vulgar, suas idéias são repugnantesé uma inútil que ganha dinheiro fazendo sexo (...)
Fique esperto com o mundomulheres só querem preferem o que as favorecemdinheiro, ibope, te esquecem se não os tiverem..."
Até Caetano
Para finalizar, no funk, temos "pérolas" da banda Furação 2000, como Gorda Baleia (2) e Quer Bolete?. Esta última tem um erotismo cru, reforçando um discurso fálico segundo o qual a reclamação e o choro feminino podem ser curados através de sexo oral:
"Alô mulherada...qué qué, qué bolete?tó toma, tó toma... pára de chorartoma bolete pára de reclamar".
E sugere que a mulher, desde criança, é marcada pelo poder sedutor do falo:
"Quando você era pequena não parava de chorarme pedindo a chupetinha para você chuparagora tu cresceu e pra não esquecercom a boca aberta me pedindo pra botar".
Furacão 2000 fez fama ao cantar Tapinha não Dói, causando uma polêmica entre as feministas, tal como hoje Mastruz com Leite. Aliás, sucesso que foi celebrado por Caetano Veloso em shows de 2003.
Mas, "pra não dizer que não falei das flores", encontrei uma letra da funkeira Tati quebra barraco que diz:
"Tapinha nadanu meu homieu dou porradapára de marra e desce desse palcoque aqui no meu cafofosou eu que falo mais alto".
O que, é claro, não afeta em nada o meu argumento. Inexiste neste discurso um questionamento sobre a forma como a mulher é exposta, o que fica confirmado por sua performance de palco, que reforça a idéia de "mulher objeto".
Embrutecimento
A resposta de Tati quebra barraco mostra que o desrespeito não vem só dos homens, revelando um tipo de sociabilidade que se fundamenta no uso da violência e, neste sentido, embrutece tanto homens como mulheres. Esta letra sugere que a igualdade entre homens e mulheres deve se dar oferecendo aos dois sexos a mesma condição para se "dar porrada", reforçando o ditado popular olho por olho, dente por dente.
É por isso que, contrariando outra máxima popular, gosto não se discute, devemos sim, refletir sobre o que significa essa produção cultural que se legitima na palavra "entretenimento". Tais produções de massa (e o consumo subseqüente) reafirmam uma visão de mundo machista, indo de encontro a todos os avanços legais e simbólicos que vêem tentando diluir as desigualdades de gênero.
E mesmo que se afirme que a maioria não gosta, simplesmente consome (porque aqui o reconhecimento significa estar informado sobre as últimas paradas de sucesso ou porque o ritmo sugere uma dança "maneira"), não teremos menores prejuízos. Quando não há constrangimento em cantar ou dançar canções que banalizam ou agridem a mulher, é porque os valores partilhados por nossa sociedade ainda o permitem.
A música é o mais cotidiano dos objetos culturais ao circular em todos os meios (cinema, televisão, propagandas publicitárias, rádios, ciber-espaço) e, neste sentido, muito pode revelar de nós mesmos e do mundo em que vivemos. Parafraseando Thomas Mann, "a música é sempre suspeita". Daí a importância de, como sugeriu a amiga que enviou o e-mail, nos mobilizarmos através de ações diversas contra bens simbólicos que insistam na reificação da figura feminina ou no incentivo à violência contra a mulher.
* Mariângela Ribeiro é mestre em sociologia e faz parte da equipe do Gajop (Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares)
Referências:
BOURDIEU, P. O poder simbólico. São Paulo: Bertrand, 1999. 247 p.CANDIDO, Antônio. Literatura e sociedade. São Paulo: T.A. Queiroz, 2000. 193 p.JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 1997. 431 p.MARTÍN-BARBERO, Jésus. De los medios a las mediaciones: comunicación, cultura y hegemonía. México: ed. G. Gili, 2002.ORTIZ, Renato. Mundialização e cultura. São Paulo: ed. Brasiliense, 1998.
Notas:
(1) O repertório que se consagrou como representante por excelência de nossa tradição musical canta o amor, a beleza e/ou temas que nos dizem respeito sem teor de discriminação e/ou preconceito. Porém, nos anos 20 e 30, momento de culto à malandragem e à boemia, comportamento e espaço por excelência masculino, era comum encontrar incentivo à violência contra mulher (Ver Mulher Indigesta, de Noel Rosa, e Já Já, de Sinhô, por exemplo). Esta, ou era vista como mulher de malandro (que gosta de apanhar) ou idealizada e elogiada como rainha do lar (Amélia, de Mario Lago). Na fase da consolidação da MPB (Bossa Nova ao Tropicalismo), embora não seja regra, encontramos canções que dão voz a esse mesmo lado "amélia" tido como natural das mulheres.
(2) Gorda Baleia é claramente preconceituosa e sugere violência: "você não é Carla Peres/ nem Luiza Brunet/ então presta atenção no que o Fabrício vai dizer/ gorda baleia/ vou te esculaxar/ bunda de borracha/ peito de maracujá".
O paraibano de Juazeirinho Rangel Júnior já trabalha com música há mais de trinta anos. Desde a mais tenra idade escutava o pai cantando samba e o avô declamando literatura de cordel e promovendo saraus em sua casa. Cresceu, assim, num ambiente que se pode chamar culturalmente rico. Também formado em Psicologia, com mestrado na área de Educação, exercendo a função de pró-reitor de ensino da Universidade Estadual de Campina Grande (UEPB), o músico, nos últimos seis anos, já despontou na cena campinense com três cds e agora se prepara para lançar o próximo, intitulado provisoriamente [como ele próprio salienta] de "Nordestino Brasileiro". O cd, que deverá ser lançado até o final de março ou meados de abril, no Teatro Municipal Severino Cabral, possui apenas composições suas o que diferencia dos demais já executados por ele, posto que costumeiramente apresentava parcerias com outros artistas. Neste caso, Rangel é acompanhado apenas na produção, que tem a participação dos músicos Jorge Ribbas e Lifanco. Entre os projetos para este ano, o cantor e compositor aponta que serão postos em cena dois libretos de cordel e um livro de contos e poemas, assim como uma serenata em homenagem às mães. Este foi um dos pontos que ele abordou no decorrer desta entrevista concedida ao Diário da Borborema.
Ranjel Júnior - Acredito que este novo cd é bastante diferente dos que eu já fiz, a começar pelas composições que são todas minhas. Nós iniciamos a gravação em dezembro, mas eu já vinha num processo de seleção de repertório, de concepção do disco há mais de um ano. Nele, eu mostro o meu universo composicional. É curioso, porque sempre me achei mais compositor do que cantor, mas como não tinha ninguém para cantar as minhas músicas eu acabei trazendo para mim esse oficio [risos]. O disco dispõe de uma gama de gêneros musicais. Passeia pelo forró, xote, chorinho, galope, samba, bossa nova, reggae, canção, marchinhas de carnaval, bolero, valsa, coco. É uma produção bem eclética e reflete o meu amadurecimento. Não quis me restringir a ficar fazendo discos apenas de forró, para lançar na época do São João. Acho que, hoje, isso para mim não faz muito sentido. O meu universo estético, as minhas influências são muito mais amplas e resolvi explorar isso. Não quero me prender a nenhum rótulo ou gênero, embora me mantenha fiel às raízes.
Vejo que hoje se convencionou dizer que música brasileira é samba, é bossa nova, mas que o forró, o baião, é música nordestina. Mas o nordeste não é Brasil? Sendo um nordestino, um caririzeiro, posso cantar bossa nova com esse meu sotaque nordestino. O cd procura mostrar que a música não se limita às regiões. É como se o eixo-de produção musical estivesse apenas no Sudeste, uma visão preconceituosa.
A música vazia, que sequer considero música. Aquela que ofende as mulheres, que a trata como lixo, como cachorra, que são compostas de baixarias e pornografia. Essa música está para MPB assim como o filme pornô está para o filme erótico, um gênero diferenciado. Há na história da literatura e da música grandes artistas que tratam de erotismo, mas sem recorrer a baixarias. A música de duplo sentido é diferente, para fazê-la com maestria é preciso inteligência e nem todos sabem jogar com as palavras e com o subjetivo.
As relações humanas, em especial a que trata da relação homem-mulher. Procuro traduzir sentimentos universais nas minhas composições. Conto histórias minhas, de amigos meus, mas que também se confundem com meus próprios sentimentos. Por exemplo, tenho nesse novo cd um xote que compus para Florbela Espanca e que reflete uma fase que tive.
Daria e viveria melhor [risos]. Eu nunca investi muito na música. Ela sempre foi para mim diversão, prazer, lazer e por isso, o maior retorno da minha produção foi afetivo e as compensações, emocionais. Mas acredito que se eu investisse mais de modo financeiro mesmo, divulgasse com uma boa estrutura, um bom material midiático, daria para sobreviver apenas de música. Acho que seria mais feliz. No meu caso, há um professor que sustenta o artista. Sempre me senti artista a vida inteira, mas num determinado momento percebi que não daria para sobreviver apenas desta maneira, então tomei outros caminhos. Considero que conseguir aliar o prazer a algo que ainda te mantém, do ponto de vista financeiro, é o que chamam de realização.
Certamente. Tem muita gente produzindo hoje, grandes instrumentistas. Da cena contemporânea posso citar Toninho Borbo, Pepisho Neto, Aerotrio, Jorge Ribbas, Júnior Cordeiro, Sandra Belê, afora os que estão produzindo agora e ainda não conhecemos. O que falta na cidade é movimentar o fluxo de apresentações artísticas, mostrar o que se produz. A estrutura campinense para isso se restringe quase sempre apenas a bares. Isso associa a cultura ao entretenimento, à bebida, por isso as pessoas não vêem a arte como espetáculo que pode ser contemplado independentemente. O que vejo aqui é que temos um equipamento cultural muito bom, boas salas de espetáculo, mas falta a efervescência artística que há em João Pessoa, por exemplo.
Há uma grande lacuna em Campina no que se refere a produtores culturais que tenham a coragem de investir no novo, no que é produzido aqui. Existe um círculo vicioso que os faz investir apenas no que dá lucro e temer os novos talentos. De certa feita, mostrei um trabalho meu para um produtor daqui. Ele gostou muito, mas disse que não podia trabalhar com ele porque o povo aprecia um trabalho de nível cultural mais baixo. Mas quem disse isso? Onde está postulado isso? Dizem que os cães gostam de osso, mas se dermos carne o que ele preferirá? Esse é um bom exemplo. Penso que essa visão é preconceituosa e rotula as pessoas.
Eu respiro música e literatura desde a infância. Apanhava da minha mãe para parar de ler, porque deixava queimar a comida nas panelas [só tinha homens em casa e também cuidávamos da cozinha] porque estava entretido nas minhas leituras. E sempre ouvia dela "você vai ficar doido de tanto ler". A arte e, principalmente, a música faz parte da minha vida muito mais do que qualquer coisa. Eu deixaria tudo menos a música. Viver sem música para mim é como viver sem água.
Os Ipês perderam todas as flores ainda nos inícios de Dezembro. Restam alguns adolescentes que, mais viçosos, sustentam sua florada escassa por mais uns dias.
Enquanto isso, mangueiras outrora bombardeadas de flores já incharam seus manguitos e começam a amarelar preparando safra nova. Os maturis já se transformaram em doces cajus e já adoçaram milhares de mesas e deliciaram amantes da cachaça. Serigüelas verde-oliva espremem-se em cachos esperando a hora certa de fazerem salivar até os paladares mais sofisticados.
As Acácias amarelas estão apinhadas de flores, buganvílias roxas, vermelhas, amarelas e até brancas brincam de trepar por sobre as cercas dando um colorido todo especial, emoldurando casinhas brancas e sonhos de quem nelas presta à atenção.
O ciclo da vida, o ciclo das flores, da natureza toda se reflete dentro da gente. Os ciclos, nós os adotamos como forma de tentarmos nos aproximar mais da natureza, do cosmo.
Os seres humanos somos muito engraçados.
Eu, que tempos atrás detestava efemérides, menos pelas coisas em si e mais pelo uso comercial abjeto que fazem delas: natal, ano novo, aniversários, comemorações gerais... hoje, me vejo compreendendo, para além do abuso mercantilista do nosso apego às datas, como o ser humano se esforça para, mesmo modificando a natureza para adequá-la a si, mesmo agredindo-a permanentemente, tentar entrar na sua lógica, no seu ritmo.
Afinal, a lua, os astros todos, o Astro-Rei, o movimento e a relação de tudo quanto existe no universo são ou não uma verdade absoluta?
Assim como os Ipês que perdem as folhas e se preparam para daqui mais um ano voltarem para encher nossos olhos, como o ocaso, a noite, a madrugada, o albor, o novo dia que chega, somos parte desta mesma lógica que, queiram alguns ou não, é dialética, apenas funcionando com diferentes ciclos, distintos períodos.
Se a vida, a natureza, o cosmo se movimentasse em círculos, como querem alguns, viver e tudo que lhe guarde relação seria uma coisa muito sem graça. Imagine a gente sabendo exatamente quando e onde tudo passaria novamente pelo mesmo lugar, numa espécie de moto-contínuo e ao mesmo tempo lugar-comum.
Mesmo quando a roda-gigante volta lá em cima pelo mesmo lugar em seu giro teimoso, as emoções, os sentimentos jamais serão os mesmos. A música, o suor das mãos, o desejo de dizer algo...
O mundo gira, é bem verdade. A vida se movimenta e tudo se relaciona. Tudo está em movimento e em permanente relação. Tal movimento, me parece, está bem mais próximo de algo que ocorre em espiral e não em movimento circular. Ou seja, quando tudo parece estar se repetindo é exatamente a passagem de um ciclo que se repete. Entretanto, nunca da mesma forma, pelo mesmo lugar.
Se for verdade que tudo está em movimento e em relação, este novo ciclo será sempre diferente do anterior. As flores do Ipê jamais poderão ser iguais às do ano passado, sua copa, o dia exato em que ele atingirá aquela forma mais bela. Mais bela aos olhos de quem, se eu também não serei mais o mesmo e quem olhou o mesmo Ipê, degustou o mesmo caju, encheu os olhos com a florada das buganvílias já não é mais a mesma pessoa?
Como repetir o sabor de um beijo? Um movimento de línguas? Um fremir de corpos?
É esse movimento (de tudo) que apaixona.
É a tentativa de compreendê-lo, de apropriar-se de sua lógica que fervilha em um cérebro inquieto e avisa que é hora de preparar a cama e fechar mais um ciclo.
A inocente aceroleira do meu escasso jardim, antes quase destruída pelas formigas-de-roça, brevemente nos dará frutos. Espero que maravilhosos em seu rústico sabor agridoce.
Celebremos, pois, mais um ciclo, mais um ano, mais um dia, mais uma noite, mais um sonho.
Evoé!