6 de novembro de 2006

NÃO HÁ BOM SEM DEFEITO

O amigo me encontra depois de varios anos, eu devidamente paramentado com as cores do pavilhão tricolor, e me cumprimenta efusivamente. De fato, a amizade é antiga, dos tempos áureos do movimento estudantil onde partilhávamos bandeiras. Mulher e sogra o acompanhando no bar à beira mar, juntamente com o filho de uns 12 anos, ele faz a festa do reencontro, fala dos velhos tempos, da politica, de nossas opções historicas e, batendo em meu peito, bem do lado esquerdo, alfineta na saida: «não há bom sem defeito». Na verdade meu amigo batia na minha camisa sobre o escudo do fluminense, o tricolor carioca, o glorioso pó-de-arroz. E eu me fazendo de desentendido respondi que o que era defeito pra uns poderia ser virtude para outros. Fiquei matutando depois sobre essa breve prosa futebolística de contrornos morais. Logo eu que sou casado com uma flamenguista, peguei a imaginar o que seria de mim se uma apaixonada tricolor tivesse por acaso pousado em meu ninho, vibrando, sofrendo e curtindo a paixão pelo mesmo time numa aventura sem fim. Um verdadeira epopéia tricolor a dois sem medidas. Êita desmantelo! Paixão é assim, não tem razão, não carece explicação, apenas existe e se manifesta. Preferencialmente, da maneira mais estapafúrdia possível. Talvez por isso alguns apaixonados jogam pétalas de rosas de helicópteros sobre as casas de suas paixões feminis, picham muros com o nome de suas musas, põem música nas difusoras de parques de diversão – 'de um alguém para outro alguém' -, escrevem poemas, tornam-se inteligentemente bobos. Pois pra mim encontra-se nesse nivel a paixão pelo futebol. Afinal, como explicar o fato de torcer por um time que tem como mascote um urubu? Ou por outro que traz no nome a história de um tabu, do preconceito, da superstição que envolve os números e o azar? Não se explica. Não tente, por favor, amigo ou amiga que me lê, explicar racionalmente suas paixões. Em qualquer que seja o terreno humano. Afinal, paixões são invenção humana. Use seu precioso tempo com exercicios intelectuais mais requintados. Sobre a preferência apaixonada pela combinação verde-branco-grená posso apenas dizer que não escolhi, pois nasci tricolor. Meu pai o era. Meus irmãos todos o são. Todos os meus sobrinhos idem. Meus dois filhos tambem trazem essa marca indelével. Há quem arrsique dizer que é genético, mas eu, por não entender muito do assunto, fico apenas com minha paixão. Você pode até duvidar sobre Vinícius, que tem pouco mais de um ano de vida, mas sou capaz de jurar por tudo que de mais sagrado (lá vou eu por um terreno pantanoso) que mostrei a ele várias camisas, de cores diferentes, uma totalmente branca, outra mais ou menos branca (ou seria marfim?), outra esverdeada, uma outra misturada de vermelho com amarelo, mas confesso que percebi uma espécie de sorriso de cumplicidade quando mostrei-lhe o pavilhão tricolor. Juro que ele esboçou uma reação diferente, uma especie de contração facial parecida com alegria. Explico: Camilla, barriga dilatada com aquele mundão de vida dentro, por mais flamenguista que seja, sabendo da importância que tal escolha teria na vida do seu futuro rebento, escolheu por própria conta e risco e acertou comigo de bordar uma camisetinha branca com um belo escudo e a inscrição: Sou - tricolor – Vinícius! Se a sua cria não pôde vestir a indumentária no hospital é uma outra história, mas você não é capaz de acreditar que ele fez um arzinho de riso quando lhe mostrei a camisa tricolor. Ah, fez sim! Não duvide, caro interlocutor, por favor, de minha honestidade paterna! Sinceramente, você não é capaz de imaginar a cara de satisfação do meu cotoquinho de gente quando pus a camisa por sobre seu bercinho de maternidade todas as vezes que a enfermeira o trazia pro apartamento pra ser amamentado e ficar um pouco por perto. Imagine a alegria: a mãe, peito de flamenguista, mas leite tricolor! Comida tricolor, sentimento tricolor, uma nova paixão tricolor! Fico a imaginar como deu-se a transmissão genética da paixão tricolor do velho Tonito pros seus filhos todos! Como foi eu não sei, porém, tenho provas que foi assim que aconteceu, como dizia João Grilo, «só sei que foi assim». Por conta da provocação do meu amigo fico me perguntando, como de fato pode tanta gente viver um mundo de paixão pelo futebol e especialmente por determinado cordão? Uns podem ter se apaixonado por uma vitória magistral em uma partida específica. Outros poderão ter desenvolvido sua paixão pela combinação de cores, outros tantos pelas relações familiares, outros quiçá pela ‘plástica’ de um ou outro jogador. Diziam antigamente que Leão, aquele chato de galocha, quando jogador do Palmeiras foi escolhido por uma dessas revistas que não tem assunto como o « homem das pernas mais bonitas do Brasil ». Vôti ! E eu lá tenho tempo nem jeito pra ficar reparando nesses detalhes, hômi !. Deixa isso pra sensibilidade feminina. O mais bonito na história da paixão pelo futebol é que ninguem deve buscar explicação por ela e foi isso que tentei dizer pro meu amigo. O que ele via em mim como defeito eu destacava como perfeição. Neste caso, qual a distância entre virtude e vício? Claro que é a medida da paixão. Assisti muitos jogos do Fluminense pelo radio, um ABC «a voz de ouro» que Seo Tonito comprou pra 'assistirmos' a copa de 70. Da mesma forma assisti junto com meus irmãos muitas vitórias de Emerson Fittipaldi na Formula 1, e quem diz que precisávamos de imagem pra termos emoção de sobra? Num canto de parede ouvíamos o ronco dos motores passando pelo rádio, como se fossem sair de dentro dele, e viajávamos juntos naquele universo de fantasias, assim como eu delirava com as histórias de Machado, de Alencar, de Jose Lins, com a poesia de Castro Alves, Raimundo Correia, Vinícius e Bilac... assim como sonhava com as histórias de caçadas incríveis e viagens fantásticas de Seo João Gonçalves, o maior contados de ‘estórias’ que já conheci. Agora o Fluminense deu pra passar vexame e tentar nos matar do coração. Acho até que sangue bem que poderia ser tricolor. Já imaginou algo assim parecido com aquele creme dental que sai com duas faixas de cores diferentes? Imagine, vermelho com listras verdes e brancas. Sinceramente, respeito muito suas preferências, mas sangue tricolor seria bem mais bonito.

2 comentários:

Anônimo disse...

Êita caba arretado!
Prú seu governo, sou fluminense de carteirinha e me 'apaixonei' pelo time tão somente por 'admirar' a plástica de um determinado jogador, a 'alguns' anos atrás. Admirava não exatamente as pernas, mas sobretudo uma cara de 'bebê chorão' e que dava vontade de 'botar no colo'. No meu caso, mesmo não sendo 'genético', o tricolor entranhou-se no meu sangue logo, logo, e nunca mais saiu...Também tô sofrendo com as derrotas, mas ler o teu texto, tranquiliza e ratifica o meu pensamento de que paixão realmente não carece de explicação e nem Freud é capaz de entender e nem tampouco explicar. Continuo apaixonada...pois, amar não é 'estar junto na alegria e na tristeza' até que a morte nos separe?' E apois?

RANGEL JUNIOR disse...

Tá valendo!
Na alegria e na tristeza.
Ser tricolor é honra e glória. Os grandes vencedores são conhecidos também na hora dos insucessos, pois não? Viva!