2 de junho de 2009

MAIS FÁCIL SER DOUTOR

Daniel Munduruku foi o conferencista da abertura do V Seminário Internacional AS REDES DE CONHECIMENTOS E AS TECNOLOGIAS, realizado na UERJ entre os dias 01 e 04 de junho de 2009, com organização do PROPEd. Nada demais se o cidadão não fosse originário do Norte brasileiro, do 'povo munduruku', como ele mesmo frisou, oposição à idéia generalista e disseminada no mundo de que todos são índios, indiscriminadamente. Lá pelas tantas, o 'índio Daniel' cunhou uma frase que talvez não tenha lá 100% de originalidade, por ser provavelmente uma paráfrase de algum autor famoso, ou um sábio que tenha marcado a história com suas idéias. Sendo doutorando na UNICAMP, Daniel Munduruku, soltou a pérola: "ser gente é mais difícil do que ser doutor", arrancando efusivos aplausos da platéia que lotava o Teatro Noel Rosa. Ortega y Gasset, referindo-se ao trabalho intelectual e o seu papel de crítico humanista, há muito tempo havia dito que "é mais fácil compreender o universo do que o nosso ofício". Na verdade, sempre será mais fácil compreender o mundo da técnica, das invenções, da ciência do que o mundo dos humanos, ou a sua humanidade. De todos os 12 trabalhos de Hércules, talvez nenhum se tenha comparado à tarefa de realizar em cada um a sua humanidade ou pelo menos a sua possibilidade infinita de humanidade. Nascemos para sermos humanos e a sociabilidade a que somos verdadeiramente sumetidos, a vida real, nos remete cada vez mais para uma forma de desumanidade. A luta para ter mais e, portanto, consumir mais, poder mais, isso nas menores coisas da vida, leva gente e mais gente a desperdiçar parte importante de suas vidas correndo atrás de coisas em vez de ser. Matam, submetem, exploram, jogam sujo, traem amigos, jogam valore fundamentais na lata do lixo, enterram princípios... Não quero advogar a idéia de um ascetismo moderno, da vida simples ao extremo, do abandono pleno da vida urbana moderna, como se pudéssemos voltar no tempo, abandonar as conquistas humanas do desenvolvimento, deixar pra trás as enormes vantagens dos avanços tecnológicos e levar uma vida de eremita. Todavia, a bem da verdade comigo mesmo, confesso que sinto-me cada dia mais tentado a abrir mão de certas 'vantagens' da vida moderna em troca de uma vida mais lenta, mais leve, mais clean ou slow, como dizem por aí, que nada mais é do que uma opção de vida em quase câmera lenta, em contraposição com a vida corrida e louca dos grandes centros urbanos e sob a pressão do trabalho, do trânsito, do ritmo dos outros, dos coletivos, das metas a serem cumpridas. Sinceramente, vez por outra me pego pensando se vale mesmo a pena essa loucura toda que é a correria urbana da vida moderna, a luta incessante pelos tais 'objetivos', os 'leões' reais e imaginários que têm que ser mortos todos os dias para que se sobreviva mais ou menos bem na selva de pedra. O que vale mais mesmo? Até que ponto temos coragem de fazer tal pergunta a nós mesmos e, de acordo com a sinceridade da resposta, a subsequente coragem de tomar decisões que venham ao encontro da realização de nossos sonhos e desejos. No geral, sonhamos com uma vida que tenha tudo aquilo que sonhamos do ponto de vista material e todas as benesses de uma vida saudável, light, longa e leve. Até que ponto acreditamos de fato nisto? Só resolvi escrever algo sobre o assunto porque concordei 'na bucha' com o 'índio' Daniel Munduruku: realmente, é bem mais difícil ser gente. Que nosso desafio contidiano seja também neste sentido. Compreender a diferença entre o que queremos ter e o que quereos ser talvez seja um trabalho equivalente a um daqueles de Hércules. Vamos em frente!

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