Palavras e imagens. Impressões e olhares sobre o mundo e as relações. Um pouco de cada coisa: educação, universidade, cultura, arte, política, gente...até poesia e outras formas de escrita.
11 de junho de 2009
A HISTÓRIA DOS NOSSOS FRACASSOS
(Ou, A Epopéia 'Fracassal' de Fulano de tal até Chegar Aonde Chegou).
Estive há uns dias matutando sobre a utilização da palavra sucesso em nossa língua. Sucesso, utilizada principalmente no linguajar artístico, virou sinônimo de popularidade extrema de uma música, de um artista. Ou seja, artista de sucesso é aquele que vende milhares de discos, que leva milhares de pessoas a shows, que tem músicas executadas (ao menos uma) à exaustão nas rádios, que aparece nos programas de televisão do sudeste (Rio e São Paulo).
Nos países de língua espanhola, a palavra mais usual para significar o equivalente da nossa 'sucesso' é éxito. Como não sou entendido destes assuntos, fiquei imaginando que a palavra êxito tem uma outra significação, bem mais objetiva e forte pra nós. Dito de outro modo, êxito é sinônimo de acerto, resultado positivo, aquilo que deu certo. Assim é na prática, independente do que diga o dicionário. Obter êxito representa dar conta de uma meta, atingir um objetivo. Sucesso também tem este sentido de resultado esperado. Entretanto, na prática, a palavra é mais usada naquela acepção, voltada para a lógica do sucesso mercadológico.
Pegue qualquer CD de coletânea brasileira com este tipo de seleção e vai sempre encontrar a expressão "grandes sucessos" de Fulano de Tal. A pergunta é: e os que obtem êxito (no sentido de resultado positivo) na carreira sem fazer o tal sucesso? Ou seja, os que tem resultados positivos, bancam suas vidas materialmente, são realizados, satisfeitos, felizes, a partir do seu trabalho artístico sem, todavia, alcançarem o tal estrelato ou o 'sucesso midiático'. Aliás, muitas vezes, longe dos holofotes e clics das câmeras dos paparazzi.
O trabalho tem como sentido maior, original, a realização humana (da ontologia do ser), para além da garantia da sobrevivência material, mas não deixa de ser verdadeiro também que na sociedade regida pelo capital, a necessidade material é a razão primeira do trabalho. Então, mitificar o trabalho artístico como dependente do chamado sucesso é, de certo modo, criar uma expectativa falsa de que aquele que não atinge tal lugar não pode se realizar profissionalmente, artiticamente. Eis o caminho garantido para a frustração. Dito de outro modo, eis aí um artista de fracasso, o verdadeiro antônimo de artista de sucesso.
Na vida em geral acredito que nascemos para o êxito, mas nunca como 'cavalos de corrida' olhando sempre à frente, ensandecidamente em busca do primeiro lugar. Nossos êxitos deveriam ser contados também com o papel coadjuvante dos nossos acúmulos de fracassos, as tentativas e erros até chegarmos ao lugar em que estamos. Já disseram à exaustão que aprendemos mais com os fracassos do que com os acertos. Porém, a história que contamos, regra geral, é a história dos triunfos. Prum artista que sonha em se tornar famoso, alcançar êxito profissional (ou sucesso midiático) é sempre recomendável ler as histórias de vida de tantos artistas que vieram antes e se tornaram exemplos de sucesso, muitos deles apenas na arte e não na vida pessoal.
Nestas biografias vamos sempre encontrar a história dos fracassos, se elas forem honestas e bem contadas. Precisamos mostrar sempre essa capacidade de realização, bem como a natureza da falibilidade humana, pois não me restam dúvidas de que entender os nossos fracassos, insucessos, nos levam necessariamente a compreender nossa fragilidade e nossa fortaleza e, essencialmente, criar as condições para não incorrer em novoso tropeços e, desse modo, chegar mais próximo da vitória, que nunca será final, pois que nessa história o fim é sempre o indicativo de um novo começo.
Na carreira acadêmica (veja só a ironia inevitável, pois é assim mesmo que é chamada: "carreira") vimos a mesma lógica sendo adaptada. Primeiro é preciso ser mestre, depois doutor, depois pós-doutor, depois o fim. Nesse ínterim é preciso produzir, produzir, publicar, publicar, orientar, orientar, publicar... até atingir os 'píncaros da glória', uma espécie de equivalente ao estrelato na carrreira artística.
Dentre tantos poréns e todavias (à semelhança do espanhol que, segundo constatei em Cuba, parece que em tudo hay un pero), entretanto, é preciso lembrar que em meio a tudo isso existe a vida. Afinal, se o sentido maior de tudo é a vida e vida em plenitude, é preciso repensar mesmo e sempre qual o sentido da nossa existência. Mas aí já é uma outra discussão. O célebre verso do poeta 'tudo vale a pena / se a alma não é pequena' é bastante utilizado em relação a "fazer a coisa certa, desde que se faça pensando em fazer bem, ou fazer o bem, ou mesmo com grandeza de espírito". O poema trata essencialmente das verdadeiras epopéias dos portugueses em busca do domínio dos mares e da conquista de outras terras e povos. Ou seja, a história do sucesso do reinado de Portugal e do sofrimento do povo português.
Afinal, a história dos êxitos de conquista dos portugueses estão contadas e decantadas em versos e prosas, por Pessoa e principalmente por Camões. Mas, e a história dos fracassos? Os versos de 'Mar Português' indicam um pouco sobre esta outra rota.
"Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quere passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu."
A propósito, com indicação da professora Maria Luiza Oswald, minha orientadora, busquei um texto do filósofo Leandro Konder sobre carreira e currículo e, impressionado com a profundidade de suas análises, resolvi publicá-lo na íntegra. Está no post anterior, qua aparece aqui como o seguinte.
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Um comentário:
Olá caro Júnior
Estás um semanticista de primeira... Que ótima reflexão!Teu texto, porém, vai além do campo semântico porque extrapolas esta esfera e adentras num paralelo entre as relações que envolvem a linguagem e a psicologia, como bom professor que és dessa área. Teu texto lembrou-me "O inconsciente e a linguagem", texto de Laéria Fontenele, quando esta autora afirma que "sendo a linguagem uma ponte sobre o abismo aberto entre o homen e o mundo, como transpô-lo, garantindo-lhe a verdade, senão com a insistência do seu impossível?" O bom mesmo é sermos sujeitos das nossas histórias, mesmo nas incompletudes ocasionadas por nossas limitações (históricas, sociais,culturais, políticas, econômicas etc) e procurarmos ser felizes,entre "sucessos" ou "êxitos" que nós tenhamos, ou não, conseguido. "O abismo aberto entre o homem e o mundo" que muitos não conseguiram superar... C'est la vie!!!
Parabéns amigo e Sucesso e, por que não,êxito também, em todos os aspectos.
Deus te abençôe e um abraço maternal.
Divanira
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