15 de maio de 2009

SOBRE AMIGOS E TAMANDUÁS

"Amigo é coisa pra se guardar / do lado esquerdo do peito / mesmo que o tempo e a distância digam não..." M. Nascimento / F. Brant
A bela canção (A Lista) de Oswaldo Montenegro começa dizendo "Faça uma lista de grandes amigos / Quem você mais via há dez anos atrás / Quantos você ainda vê todo dia / Quantos você já não encontra mais." Na terceira estrofe da mesma canção há uma espécie de sinuca de bico: "Onde você ainda se reconhece / Na foto passada ou no espelho de agora? / Hoje é do jeito que achou que seria? / Quantos amigos você jogou fora?" Chamou minha atenção outro dia um papo-cabeça sobre a amizade e desde então fiquei encafifado querendo escrever. Mas como não me vinha idéia, resolvi esperar que, ruminando, mais dia menos dia ela aparecesse. Volto ao tema por várias razões e uma delas foi o fato de ter, há poucos dias, revisitado alguns bons amigos. Aliás, eles me visitaram, o que me encheu de contentamento. A literatura é repleta de textos bonitos, bem escritos e outros bastante melosos sobre o assunto. Minhas primeiras memórias sobre o tema remontam sempre ao Pequeno Príncipe. Porém, mesmo nas HQs o universo das grandes amizades tem exemplos paradigmáticos: Batman e Robin, Mickey e Pateta, O Gordo e o Magro, Trinity e Carambola, Zorro e Tonto Tex Willer e Kit Carson... é enorme a lista de grandes amigos. O que me chamou a atenção foi uma opinião sobre o que é ser "verdadeiro amigo" e aí o caldo entornou, pois longe de chegar-se a um consenso sobre a verdadeira pedra filosofal que permitiria aos humanos passarem de um estágio a outro, onde qualquer ser dotado de poucos valores, nem tão altruístas assim, poderia ser 'aperfeiçoado' moralmente ao ponto de tornar-se alguém valoroso (a), desprendido (a), capaz de doar-se, de ser sincero (a) com os (as) amigos (as), de guardar um padrão ideal de honestidade e lealdade para com os amigos (as) e mesmo para com os adversários (as), pra não usar o termo inimigos (as). Comungo com Giovanni Boccaccio quando diz que "os laços de amizade são mais estreitos dos que os de sangue e da família", porque estes são recebidos em forma de herança e aqueles são paulatinamente edificados e retroalimentados no cotidiano, bem como independem de conceitos medievais como o de "honra de sangue" ou "o sangue acima de tudo", que além de antiquados não se coadunam com a realidade da modernidade, das relações socialmente construídas e não dadas, da alteridade e da camaradagem. Na prática, concordo com a tese que afirma que "o inimigo nunca o irá trair". Quem há-de negar que já foi alguma vez enganado (a), ludibriado (a), sacaneado (a), traído (a) por alguém em quem confiava cegamente? E ainda que depois de tal decepção não tenha jurado nunca mais confiar nas pessoas, em amizades e tal e coisa e coisa e tal, mas depois de algum tempo esqueceu tudo e a vida continuou como dantes? Eis a grande verdade: quem irá te passar pra trás será alguém em quem tu confias, necessariamente. Afinal, de um adversário, desconhecido, inimigo, etc., tu não esperas mesmo nada de mais no sentido bom. Eis a parte um pouco cruel da humanidade, quer dizer dessa humanidade forjada sobre relações de poder, lucro, exploração, inveja e pouca fraternidade, solidariedade, amizade de fato. Trocando em miúdos, mais dia menos dia tu serás abraçado (a) por alguém com cara de gente, com jeito de gente, com voz de gente, e o pior de tudo, com todo o jeito de 'amigo (a)', mas, em verdade, quem estará te abraçando será um 'tamanduá'. Explico: a expressão tem origem no fato de o Tamanduá possuir unhas muito grandes e (dizem) esperar deitado (ou de pé sobre as patas traseiras) a sua vítima atacar para dar-lhe um forte abraço e enterrar-lhe mortalmente as unhas nas costas, livrando-se do inimigo. Mas, enfim, o pobre animal não tem nada a ver com essas ações tão humanamente condenáveis. Pior ainda, está em ameaça de extinção. Na vida real já não conto as vezes em que fui literalmente surrupiado por algum amigo. Não me preocupei em listar as quantas vezes um amigo foi desleal comigo. Noutras, a vilania, a perfídia pura e gratuita. Vivenciei casos em que a torpeza de caráter foi tanta e em tão grande escala que, de verdade, cheguei a duvidar da possibilidade de se estabelecer grandes amizades dentro daqueles tão sonhados preceitos. A bem da verdade, calejado com tantas "mordidas de traíras", hoje durmo com um olho enquanto o outro espreita. Todavia, tenho grandes amigos nos quais confio cegamente (ou quase!) sem me preocupar se eles um dia irão ou não jogar sujo comigo. Faz parte do fato de se estar vivo. Eis o preço! Só posso esperar algo dos amigos. Já dos inimigos...

4 comentários:

KÁTIA LIMA disse...

(...)Castillo (1999) no livro “Educar para a amizade”, observa que uma das causas da desvalorização da amizade em nossa época é a trivialização desse conceito. O uso chistoso da expressão “meu amigo” para dirigir-se a pessoas com as quais não se sente nenhum vínculo pessoal ou que mal conhece, muitas vezes camuflando interesse instrumental sobre a outra pessoa, contribui para esta confusão e desgaste do conceito de amizade.
(RAYMUNDO DE LIMA)


AO LER ESSE TEXTO CONCLUO RANGEL, QUE MUITAS VEZES CHAMAMOS DE AMIGOS, VERDADEIROS TAMANDUÁS EXISTENTES EM NOSSA SOCIEDADE,CONVIVENDO E COMPARTILHANDO CONOSCO O QUE MAIS TEMOS DE MELHOR E INSISTENTEMENTE O CHAMAMOS DE "AMIGO".

É ABRIR O OLHO , NÃO É?

KÁTIA LIMA.

Aninha Santos disse...

Hoje eu vi um tamanduá de verdade. Tão bonitinho kkkkkkkkkkkkkk

Débhora Melo disse...

Rangel,

Muito proveitoso seu texto,essa semana que passou foi crucial para mim.
Percebi, e por que não dizer, tarde demais a desumanidade de uma pessoa que eu qualificava como um ser HUMANO, digo tarde demais, pq as evidências eram tantas, que EU é que não queria enxergar.
Confesso que sinto-me enfraquecida para escrever e raciocinar aqui neste momento sobre tal assunto que é a AMIZADE, amizade essa que está em todos os campos de relacionamento, seja ele, familiar,sentimental, de conhecidos e até mesmo de desconhecidos, que muitas vezes nos ajudam mais em determinados momentos, demonstrando uma fraternidade , da qual "os nossos" muitas vezes não possuem.
Enfim, minha decepção é tamanha, talvez até esteja decepcionada é comigo mesma, por não perceber.
È como o ditado popular "O pior cego é aquele que não quer ver".
Mas... vamos caminhando, vamos superando os baques que a vida nos oferece, e isso com certeza se transformará em aprendizado, pois percebo que a consideração é o limiar entre o ser e a amizade.
Desculpe-me, por desabafar.



"Haverá algum homem que não se sentirá terrivelmente ferido se vier a saber o que os seus mais fiéis amigos pensam dele no seu íntimo?" ( Friedrich Nietzsche)


Um abraço,

Débhora Melo.

KATIA LIMA disse...

QUERIDA DÉBHORA, REGISTRO AQUI MEU CARINHO POR TÍ, E É GRATUITO.
TODOS NÓS PASSAMOS POR TODOS ESSAS DECEPÇÕES, TRAIÇÕES, DESLEALDADE...
E SÓ FICAMOS TRISTES QUANDO ESSA PESSOA NOS É MUITO QUERIDA, DAÍ O "BAQUE" COMO VC MESMO FALOU, É MAIOR.
É VIVENDO E APRENDENDO, SEMPRE.
DEMOROU NAO É QUERIDA, MAS VC CONSEGUIU VER, ANTES TARDE DO QUE NUNCA.
VC PODERIA ME DAR SEU EMAIL?
E SORRIA, SORRIAAAA, OK?


UM DOMINGO A TODOS, E RANGEL ESTÁS É BIIITOOO COM O ATOR AMERICANO KKKKKKKKKKKKK... É PRA QUEM PODE...KKKKK.

XAUSSSSSSS...