4 de julho de 2009

ELABORANDO A AUSÊNCIA

Como acontece em boa parte do nosso interior nordestino, num pasado próximo em Juazeirinho eu era Junior de Dona Neide. Assim como já havia sido Junior de Tonito. Assim como quase todos os meus amigos são fulano 'de' sicrano. Conheci na quarta-feira passada o Seu Cícero que lá em Juazeirinho é simplesmente Ciço de Camelo. Seu Camelo foi durante muito anos o coveiro oficial de Juazeirinho. Lá, assim como até bem pouco tempo eram os cartórios, hereditários como capitanias, a função de coveiro também o é. Ainda. Seu Ciço de Camelo é o homem responsável por ajudar a família a juntar todos os signos, coisas que ficaram ou vieram como forma de última homenagem a Dona Neide. Escrevo isto e decido que vou parar de falar no assunto e doravante só comentarei sobre coisas boas, alegres, felizes. Resolvi comentar por conta da impressão que me causou a habilidade de Seu Ciço de Camelo com a colher de pedreiro e a amarração do massame para a vedação final do lugar onde o que restou materialmente dela ficará pra sempre, sob a sombra de uma frondosa Ingazeira. Assim como tantos outros sobre a face da terra, este é um ofício esquisito, o de receber pra colocar numa espécie de depósito definitivo aquilo que para muitos é (ou era) um dos seus bens mais preciosos. Ofício silencioso, ancorado nos gemidos de dor, no choro e nas lágrimas de uns tantos que se debruçam por sobre os ombros de outros tantos em busca de uma última visão, de um último adeus, de uma imagem a mais pra registrar na memória. Preferiria não ter hoje esta imagem registrada, mas é a Seu Ciço de Camelo que rendo minha homenagem. Não tendo a veia de Augusto pra fazer sonetos perfeitos, como os 'versos a um coveiro' e me contento em registrar minha admiração e na sua humildade buscar fortalecer a minha. Eis que um dia eu também estarei lá e, seja quem for, haverá um outro Ciço de Camelo, quiçá um sucessor da mesma linhagem pra realizar humildemente o seu trabalho. Espero que faça tão bem feito serviço que nem um fogo-fátuo apareça em uma noite escura qualquer alimentando fantasias e terrores de quem por um enorme acaso passe por perto nessa hora. Com o passar do tempo, os mais novos lá de Juazeirinho não saberão mais de Seu Tonito nem de Dona Neide e aí eu serei apenas eu mesmo, talvez Rangel Junior, talvez Junior irmão de Zeneto, de Marcos... Espero que o dia de ser 'envelopado' e depositado à sombra da Ingazeira lá da minha cidadezinha esteja tão distante que eu não possa nem imaginar. Quanto a minha mãe, a imagem que fica do seu último adeus é a da humildade, da simplicidade, da bondade e respeito manifestado por tanta gente que foi vê-la no último dia e nos dar um abraço, um aperto de mão, uma palavra. Assim como ela, prefiro ficar apenas como algo bom na memória das pessoas, nas músicas que compuser, nas realizações que a vida me permitir e nos exemplos que puder dar na preparação do caminho. O meu próprio. Afinal, o tempo de nossa passagem pela vida é tão fugaz se comparado com o tempo histórico que nós mesmos não passamos de uma espécie de fogo-fátuo.

2 comentários:

Prof. Ademar Oliveira de Lima disse...

Estive por aqui em visita ao seu blog!! Abraços Ademar!!

Divanira Arcoverde disse...

Querido Júnior

Fico a imaginar esses dias de transição em tua vida... De início, é realmente difícil "digerir"... Como tu bem dizes, a fugacidade do tempo em nossas vidas nos faz repensar o "viver", o "conviver", nossas ações, nosso "modus operandi", finalmente, o nosso jeito de ser. Fica tranquilo, amigo, e toca a vida... Dona Neide, lá do alto estará acompanhando teus passos e, vibrando com as tuas vitórias, que não serão poucas. Disso, tenho convicção plena. "O tempo histórico" será conduzido por nós, que tecemos os fios para formatatar a colcha de retalhos que, muitas vezes, é a nossa vida.
Dias alegres e promissores para ti e chuta a bola pra frente que os gols virão. És jovem e tens tudo para ser feliz!
Um beijo maternal.
Divanira