25 de maio de 2025

Chuva, Pedais e Algumas Lições


A manhã começou cinzenta, daquelas que convidam ao café prolongado e à preguiça debaixo do cobertor. Os amigos, um a um, foram desistindo do pedal: " não dá, pois aqui a chuva está indo e voltando", "Vai ficar tudo encharcado", "Melhor deixar pra outro dia". Eu, porém, resolvi encarar. Não havia temporal, apenas uma garoa tímida — e bicicleta, como se sabe, não derrete.  

Saí sozinho. A neblina colou no rosto como um véu úmido, e as primeiras gotas me fizeram rir baixo, como quem descobre uma brincadeira secreta. O asfalto brilhava, e eu reduzi a velocidade, evitando as estradas de terra que, com a água, se transformariam em atoleiros. Segui pelo acostamento da BR 230 até a PRF e voltei pela Alça Leste, passando pelo Campos do Conde até o Centro de Convenções, onde o mundo parecia ter acordado devagar, sob o mesmo chuvisco insistente. 

Sem garrafa d’água, improvisei: abria a boca como um passarinho sedento, bebendo as gotas que caíam. Cheguei em casa encharcado, é claro, mas com os 22 km percorridos gravados no corpo como uma medalha invisível. Não foi um trajeto heroico, apenas um daqueles pequenos desafios que a gente se impõe para lembrar que ainda sabe surpreender a si mesmo. 

No caminho, a cidade me mostrou sua rotina teimosa. Homens pedalavam para o trabalho, equilibrando marmitas e esperanças; um grupo rumava para um jogo de futebol, as bikes tilintando como um rebanho desengonçado. Mulheres com sombrinhas coloridas cortavam a chuva como navios em miniatura. Na rua Fernandes Vieira, do José Pinheiro, uma senhora dentosto enrugado fumava seu cachimbo na calçada, indiferente ao tempo, enquanto uma mulher puxava um cachorrinho relutante, os dois negociando cada passo. E, surpresa: centenas de corredores enchiam a pista, participando de uma prova que a chuva não cancelou.  

Esta manhã me ensinou algo óbvio, mas fácil de esquecer: os obstáculos não existem para nos parar, e sim para serem contornados, furados ou — quem sabe? — abraçados. Desistir é a única escolha que realmente empobrece o caminho.

Problemas vão surgir, a chuva vai cair, as ladeiras vão parecer mais íngremes (ah, a subida do Alphaville!), mas é seguindo que a gente descobre o prazer escondido nas coisas simples: no sabor da água que vem do céu, no cheiro da terra molhada, na coragem anônima de quem insiste em ir adiante, guarda-chuva ou não.  

No fim, voltei para casa molhado, cansado e feliz. Porque a vida, como a bicicleta, só se equilibra em movimento. E, às vezes, é preciso pedalar na chuva para lembrar disso.

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