26 de maio de 2025

A Felicidade é uma gota de éter


A felicidade às vezes é vendida como um tesouro a ser perseguido e conquistado. Ela não pode ser confundida com um destino. A felicidade é o vento que passa entre os dedos quando pedalamos na chuva, é o café que esfumaça na xícara enquanto os filhos contam histórias com a boca cheia. É o vinho servido lentamente no fim do dia, quando a casa já dorme e só resta o sussurro de um "eu te amo" antes do escuro.


Insistem em vendê-la como um prêmio dourado, mas ela prefere se esconder em detalhes: um cuscuz fumegante no centro da mesa,  o miado dengoso de uma gatinha pedindo cafuné, a bicicleta velha e suja que recebeu um banho e um polimento, que deixou uma pontinha de ingênuo orgulho. 


Saí cedinho, sob chuva fina, enquanto o mundo ainda resmungava debaixo dos lençóis. Voltei encharcado, mas com aquela alegria de quem roubou um segredo do dia. Camilla me esperava com o café quente e os filhos adolescentes em luta contra o sono. A felicidade, ali, transitava entre um sanduíche mordido às pressas e a missão banal de dirigir até João Pessoa. Afinal, até no trânsito entediante cabem risadas, playlists improvisadas e uma mão pousada na perna como um lembrete: "Estamos juntos nessa".  


No almoço com Taiguara, a felicidade veio disfarçada de fava e dobradinha fervendo e boas resenhas sobre a música antiga, que rolava ao vivo. Após o almoço, era o café feito por ele, cuidadoso como um ritual, e a bicicleta que deixei lá — velha conhecida, agora ajustada e brilhando, um símbolo de que coisas boas circulam entre nós, sem dono fixo.


Até Solanja, a cadela adotada por ele e Mayara, brincando com Guilherme e Vinícius, parecia rir da nossa alegria, enquanto eu lembrava de tempos em que Taiguara era só um menino com os joelhos ralados.  


Na volta, a estrada noturna nos envolveu. Jantamos tapiocas que nem foi essa coisa toda, mas o momento, sagrado. Dirigindo, pensando e observando os meninos no banco de trás, e eu pensei em como a felicidade é um animal noturno: aparece quando a gente menos espera, lambe os nossos cotovelos e some, deixando só o cheiro dela no ar. Ali, eu me senti um ladrão de instantes, guardando cada um no bolso.  


Em casa, o vinho escorreu rubro nas taças, e conversamos bobagens sérias — como o fato de que ninguém ensina a ser feliz, só a perseguir coisas que supostamente trarão felicidade. Entre risos e reflexões, eu disse que, se fosse um líquido, a felicidade seria éter: você sente o frescor por um segundo, e depois só resta a memória do que foi. Mas ah, que segundo! E quantos deles a gente coleciona sem perceber: um beijo roubado na cozinha, uma piada idiota no trânsito, o silêncio que não é vazio, mas cheio de cumplicidade.  


Deitar ao lado dela, naquela cama bagunçada de histórias, foi meu ato mais revolucionário do dia. A felicidade não é um palácio — é o chão que a gente varre juntos, os chinelos embaralhados, o "boa noite, meu amor" que ecoa no escuro como uma promessa antiga. E no fim, descobri que ela não precisa durar: basta que a gente reconheça seus disfarces. Afinal, quem precisa de eternidade se tem um café quente, uma bike na chuva e alguém para dizer "até amanhã"?  


Rangel Junior 


6 comentários:

Anônimo disse...

Fantástico, Amigo
Que se mantenha a felicidade de vocês.

Anônimo disse...

Fantástico! Parabéns pela forma como nos faz enxergar o tesouro nos pequenos detalhes!

Anônimo disse...

👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼

RANGEL JUNIOR disse...

Valeu! Abraço.

RANGEL JUNIOR disse...

Que bom. Obrigado.

RANGEL JUNIOR disse...

Obrigado.