Texto editorial da Revista Agulha,
www.revista.agulha.nom.br/ag64capa.htm, que publico como forma de subscrevê-lo.
Não sei o porquê de nossa mídia se preocupar tanto com a liberdade de informação na China! Ou quando alguém fala em mudar a lei de imprensa.
Como diria Gabriel, O Pensador: eu digo, hã! hã!hã!!!!!!
"Burocratas estão aí para burocratizar.
Censores, para censurar.
Tribunais, para legislar.
E para tutelar. Para invadir a esfera privada, tratando todo mundo como se fôssemos uma multidão de incapazes.
Daí as variedades de censura judicial postas em prática, ou que se tenta pôr em prática, de uns tempos para cá. Biografias, pelo visto, só podem aquelas que agradarem ao biografado. Notícias em jornais, desde que algum juiz não discorde delas: pois não houve, outro dia, proibição, censura prévia evidente, de dois jornais de São Paulo (O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde) noticiarem investigações de corrupção em uma corporação de médicos? Quanto ao noticiário político, tivemos as ações contra uma revista e alguns jornais, por supostamente fazerem propaganda eleitoral ao entrevistarem candidatos, desconhecendo a diferença entre noticiário e propaganda.
E, a toda hora, mais novidades. Agora, a resolução 22.718/2008, do Tribunal Superior Eleitoral, sobre propaganda eleitoral pela internet. Textualmente: a propaganda eleitoral somente será permitida na página do candidato destinada exclusivamente à campanha eleitoral. Estão proibidos vídeos de apoio a candidatos no YouTube e afins, páginas em sites de relacionamento, banners em portais informativos, o uso de e-mail marketing, blogs, banners, links patrocinados em sites de busca.
Os magistrados aplicaram ao meio digital as regras que valem para a mídia eletrônica, TV e rádio. O argumento: ambos, mídia eletrônica e meio digital, são concessões públicas. O que vale para uma tem que valer para o outro. Portanto, se algum de nós quiser enviar e-mails sobre algum candidato a qualquer coisa, a favor ou contra, não pode. Ou poderia, sim, desde que contra, e não a favor? Contra o adversário, e não a favor de quem apoiamos ou desejamos eleito?
Mais uma vez, confundiram tudo. Portais de provedores, determinadas páginas e blogs são, de fato, empreendimentos jornalísticos. Extensões dos jornais. Valem para eles as mesmas regras que para jornais e revistas.
No entanto, se eu, você, qualquer um de nós, pessoas físicas, indivíduos, e não empresas jornalísticas, enviarmos mensagens pela Internet, através de e-mails, ou as exibirmos através de nossos blogs ou páginas pessoais, essas regras não poderiam aplicar-se. E-mails são extensões de conversarmos com alguém, de falarmos ao telefone, de mandarmos carta pelo correio, e não de empreendimentos jornalísticos que não somos ou não temos. Passa a haver tutela do indivíduo, do direito de cada um à expressão, e não mais do comportamento de empresas de comunicação.
A propaganda eleitoral através das mensagens, de e-mails, corresponde, sem dúvida, ao mais baixo nível dessa atividade. É por onde mais proliferam a intriga, o sectarismo, a paranóia, a mentira em todas as suas cores e matizes. Nada disso justifica, porém, proibi-la. Que cada um resolva o que deseja receber; que use à vontade os comandos excluir e lixo eletrônico. Que o público deixe de ser equiparado a débeis mentais, incapacitados, necessitando que cada ato seja regulamentado e tutelado por alguma autoridade.
A regulamentação, no caso da Internet, é além de tudo inútil, reveladora do diletantismo. Pertence à mesma família da ingênua proposta de prévio cadastramento a cada envio de mensagens, para impedir e-mails maliciosos; e dos cadastros de usuários, tal como previsto no projeto agora aprovado pelo Senado. Aliás, algo bem análogo aos cadastros de moradores em qualquer lugar, durante o regime militar, convertendo obrigatoriamente todo zelador de prédio em alcagüete a serviço dos órgãos de segurança. E todo mundo em suspeito de alguma militância clandestina, a priori.
Acontece que a Internet é mundial. Não pode aqui? OK, então mando meu e-mail, malicioso ou não, da Tailândia, ou de alguma nação sediada em uma ilha bem exótica. Sem me erguer da minha cadeira. Algum provedor de lá me aceitará.
Um dos erros dos legisladores é o provincianismo. É acharem que o Brasil é planeta separado, descolado do restante da Terra. O que deveriam fazer, se a preocupação imediata deles fosse além de quererem tutelar o cidadão: primeiro, fazerem que o Brasil subscreva alguma boa convenção sobre segurança no meio digital; depois, adaptarem nossa legislação a essa convenção.
Os dispositivos constitucionais sobre liberdade de expressão, banindo a censura, e aqueles sobre privacidade, foram conquistas da sociedade, cansada da tutela durante o regime militar (e também antes). Sinais de novos tempos. Precisam, pelo visto, de algum parágrafo ou artigo adicional, declarando que são para valer.
Ganhamos mais liberdade de expressão porque lutamos por isso. É um legado a ser defendido. E a luta prossegue. A moda atual das censuras judiciais, mais as intervenções em exposições de artes visuais, um ou outro processo contra músicos e escritores por suposta indução ao uso de drogas ou algum outro crime, além de projetos querendo segurança na Internet ao preço de direitos individuais: tudo isso mostra que censores e outros agentes da repressão podem estar à sombra; mas não dormem."