28 de maio de 2017

UM SOPRO DE SAUDADE

A única vez em que vi meu pai chorar foi num início de noite entre dezembro e fevereiro há 40 anos.

O fato foi depois de um AVC que não tirou sua vida, mas deixou algumas sequelas como uma paralisia lateral parcial e uma amnésia que deve ter sido um dos seus maiores sofrimentos. O meu eu sei que foi.

Lembro de seu retorno do hospital em Campina, onde esteve internado por uns dias. Impossível esquecer seu olhar vazio, parado no tempo diante de mim ao pedir-he a benção e sua reação pasmada, como a perguntar "quem é esse garoto?"

Dias depois, recuperando aos poucos da paralisia e também de parte da memória deu-se um episódio marcante.

Zé Neto já estudava no Gigantão da Prata e morava em Campina, na casa de Tia Zorilda e Seu Manoel Batista.

Eram tempos muito difíceis. Estávamos em férias escolares e resolvemos buscar trabalho na fábrica CAULINEX no distrito da Barra, ali a 9 km no caminho para o Junco do Seridó.

Num desses dias, ao retomarmos do trabalho, cabelos, cílios, sobrancelhas, pele, tudo esbranquiçado do pó do caulim,  ao nos ver em casa, já noite ele Perguntou: "onde vocês estavam? Trabalhando?" Ante nossa resposta, um choro incontido banhou seu rosto e foi uma das poucas vezes na vida em que ganhei um abraço do meu pai. Poucos meses depois, um enfarte o levou.

Isso foi há mais de 40 anos, num 27 de maio como este, que trouxe de volta as cenas aqui descritas e com elas um suave sopro de saudade.

9 comentários:

Maura Ramos disse...

Li e me comovi. É a vida... É a vida! E ela continua!

italo vilarim disse...

Como diria o poeta João de Barro:
"A saudade mata a gente...
A saudade é dor pungente..."
Vida que segue.

ALFRAPOEMAS disse...

A saudade é brasileira
E por que não nordestina?

Uma das peculiaridades do poeta é dizer bonito as coisas tristes... Mesmo que sejam as agruras do seu próprio peito...

RANGEL JUNIOR disse...

Obrigado, meu querido poeta.

RANGEL JUNIOR disse...

Verdade pura.

RANGEL JUNIOR disse...

Querida Moura Ramos. Você personifica a sensibilidade rara das melhores humanistas.

Divanira Arcoverde disse...

Que saudade bela, representada pela função emotiva da linguagem, pinçada pela poeticidade de quem fala com o coração! Meu abraço fraterno é solidário!

Francival disse...

Como disse um cara de Juazeirinho: "Saudade é um sentimento que quando não cabe no coração escorrega pelos olhos", RANGEL vc é o CARA!!

Anônimo disse...

Caro Rangel jr. Para mim tambem foi um grande choque quando meu avô Benjamim Pereira (pai do prof José Benjamim p. Filho) voltou do hospital tendo estes problemas de memórias e questionando quem eram aquelas pessoas que ali estavam e que achava que estava em Itabaiana querendo enviar para o seu chefe dos correios na estação um despacho de bagagens. Tive eu e minha mãe, que arrodear o quarteirão aqui em joão pessoa no parque Solon de lucena para ele se acalmar e ver que não era mais Itabaiana. Abração de Junior sobrinho do Prof. Benjamin pereira