22 de abril de 2008

UM VELHINHO ABUSADO

Neste 21 de abril, de mobilização geral contra o mosquito, passei o dia com uma idéia fixa na cabeça. Poderíamos estar comemorando os 81 anos de seu Tonito, meu pai. Fiquei imaginando a gente juntos, uma roda de violão, cantando aquelas músicas maravilhosas dos anos 40, 50, 60... Orlado Silva, Carlos Galhardo, Augusto Calheiros, Nelson Gonçalves, dentre outros. E ele, atento, corrigindo uma frase mal colocada de um ou outro, uma pequena desafinação de algum cantor improvisado, uma peripécia qualquer de um netinho. Êita! Lá se vão 31 anos (a se completarem agora no próximo 27 de maio) que o velho resolveu nos deixar de vez, e eu, seu auxiliar direto nas caçadas e pescarias, com apenas 14 anos, senti um abalo danado nas estruturas. Seu Tonito tinha fama, em Juazeirnho, de ser puxador de conversas-sem-fim, de ser abusado com os que deveriam e não aprenderam a usar a língua pátria e de ser muito amigo dos amigos, ou dos pareceiros, como costumava dizer. Tinha um apego muito especial à música de qualidade e era de fato um boa praça, respeitado por todos, inclusive os que dele discordavam. Contava o finado Humberto, tirando onda, que certo dia ele pegou o ônibus da antiga viação Boa Esperança pra Juazeirinho e entabulou logo uma prosa com seu vizinho de cadeira. A conversa foi ganhando corpo, foi indo, foi indo... e quando se deu conta o dia estava amanhecendo e o ônibus chegando em Fortaleza. Era o fraco de conversa! Dona Neide cansou de vê-lo chegar em frente de casa à noite e ficar de papo com algum amigo até alta madrugada, isso na porta de casa. Daí não ser completamente improvável que a história de seu Humberto tenha algum sentido, mesmo com sua dose de exagerada gozação. Torcedor apaixonado pelo Fluminense, seu Tonito deixou de herança, como coisa genética, essa paixão para todos os filhos, coisa que vem sendo transmitida de geração. Acho que herdei mais umas coisinhas dele, para além de uma caneta bico-de-pena personalizada, dois 'arremedos' de chamar marrecos, um de mocó (artesanalmente feito por ele, de osso) e um de chamar codorniz. Vivo, hoje, seria de fato um velhinho simpático, mas muito abusadinho também. Sinto saudades dele (e às vezes falta mesmo) e vez por outra me emociono ao ver um filho já adulto, "virando gente", e lamento por ele não ter tido tempo, como eu, de ver ao menos parte de sua obra realizada. Aqui dentro ele está bem vivo, vivinho da silva...

Um comentário:

Anônimo disse...

E eu, chorando, tambem lamento nao ter podido conviver com o velho mais velho que meu velho.