7 de setembro de 2012

RETRATO


...pois, estar ali tomado de uma lassidão espartana, esparramado na velha poltrona, a preguiça dominando completamente o corpo depois de me fartar de carne de bode guisada, fava verde com farinha, e um arrozinho branco, lavado, tudo antecedido por duas ou três doses de caçhaça boa, boas risadas, sutis reminiscências, a prévia gastronômica regada à boa prosa maneira, aquele clima de quase ficção, as ventas entranhadas dos odores todos de minha infância espalhados no ar da cozinha, o vento fresco que vinha da porta da frente amainando o calor do verão, aquela mão miúda, calejada da lida e enrugada dos 70 dezembros a afagar-me os cabelos me deixando mais criança do que já era... Quisera eu saber naquele momento que tudo era cena que se tornaria apenas lembrança, sentimento vago e doloroso, cicatriz no peito, lágrima salgada, dessa bruta saudade daquela velhinha danada que sabia como ninguém sobre as veredas da vida. Não congelaria o tempo em respeito à vida, mas teria prestado mais atenção aos detalhes pra que o tempo e sua fama de varredor de memórias não danificasse nada daquele retrato singelo de um começo de tarde qualquer. Em meio ao vendaval, aqui e agora, cadê? Cadê? Eita, Dona Neide! Bons tempos! Bons tempos!

Um comentário:

Ana Maria disse...

Cadê? cadê?