Palavras e imagens. Impressões e olhares sobre o mundo e as relações. Um pouco de cada coisa: educação, universidade, cultura, arte, política, gente...até poesia e outras formas de escrita.
18 de maio de 2008
A MÚSICA DOS VALORES PERDIDOS
Artigo de autoria de José Teles, crítico musical, publicado no Jornal do Commercio online, em 06.05.2008
http://jc.uol.com.br/2008/05/06/not_167957.php
'Tem rapariga aí? Se tem levante a mão!'. A maioria, as moças, levanta a mão.
Diante de uma platéia de milhares de pessoas, quase todas muito jovens, pelo menos um terço de adolescentes, o vocalista da banda que se diz de forró utiliza uma de suas palavras prediletas (dele só não, de todas bandas do gênero). As outras são 'gaia', 'cabaré', e bebida em geral, com ênfase na cachaça. Esta cena aconteceu no ano passado, numa das cidades de destaque do agreste (mas se repete em qualquer uma onde estas bandas se apresentam).
Nos anos 70, e provavelmente ainda nos anos 80, o vocalista teria dificuldades em deixar a cidade.O secretário de cultura Ariano Suassuna foi bastante criticado, numa aula-espetáculo, no ano passado, por ter malhando uma música da banda Calipso, que ele achava (deve continuar achando, claro) de mau gosto. Vai daí que mostraram a ele algumas letras das bandas de 'forró', e Ariano exclamou: 'Eita que é pior do que eu pensava'. Do que ele, e muito mais gente jamais imaginou. Pruma matéria que escrevi no São João passado baixei algumas músicas bem representativas destas bandas.
Não vou nem citar letras, porque este jornal é visto por leitores virtuais de família. Mas me arrisco a dizer alguns títulos, vamos lá: Calcinha no chão (Caviar com Rapadura), Zé Priquito (Duquinha), Fiel à putaria (Felipão Forró Moral), Chefe do puteiro (Aviões do forró), Mulher roleira (Saia Rodada), Mulher roleira a resposta (Forró Real), Chico Rola (Bonde do Forró), Banho de língua (Solteirões do Forró), Vou dá-lhe de cano de ferro (Forró Chacal), Dinheiro na mão, calcinha no chão (Saia Rodada), Sou viciado em putaria (Ferro na Boneca), Abre as pernas e dê uma sentadinha (Gaviões do forró), Tapa na cara, puxão no cabelo (Swing do forró). Esta é uma pequeníssima lista do repertório das bandas.Porém o culpado desta 'desculhambação' não é culpa exatamente das bandas, ou dos empresários que as financiam, já que na grande parte delas, cantores, músicos e bailarinos são meros empregados do cara que investe no grupo.
O buraco é mais embaixo. E aí faço um paralelo com o turbo folk, um subgênero musical que surgiu na antiga Iugoslávia, quando o país estava esfacelando-se. Dilacerado por guerras étnicas, em pleno governo do tresloucado Slobodan Milosevic surgiu o turbo folk, mistura de pop, com música regional sérvia e oriental. As estrelas da turbo folk vestiam-se como se vestem as vocalistas das bandas de 'forró', parafraseando Luiz Gonzaga, as blusas terminavam muito cedo, as saias e shortes começavam muito tarde. Numa entrevista ao jornal inglês The Guardian, o diretor do Centro de Estudos alternativos de Belgrado. Milan Nikolic, afirmou, em 2003, que o regime Milosevic incentivou uma música que destruiu o bom-gosto e relevou o primitivismo estético,. Pior, o glamur, a facilidade estética, pegou em cheio uma juventude que perdeu a crença nos políticos, nos valores morais de uma sociedade dominada pela máfia, que, por sua vez, dominava o governo. A cantora Ceca foi uma espécie de Ivete Sangalo do turbo folk (ainda está na estada, porém com menor sucesso). Foram comprados 100 mil vídeos do seu casamento com Arkan, mafioso e líder de grupo para-militares na Croácia e Bósnia. Arkan foi assassinado em 2000. Ceca presa em 2003. Ela não foi a única envolvida com a polícia, depois da queda de Milosevic, muitos dos ídolos do turbo folk envolveram-se com a justa pelo envolvimento com a poderosa máfia de Belgrado.A temática da turbo folk era sexo, nacionalismo e drogas. Lukas, o maior ídolo masculino do turbo folk pregava em sua música o uso da cocaína. Um dos seus maiores hits chama-se White (a cor do pó, se é que alguém ignora), e ele, segundo o Guardian, costumava afirmar: 'Se cocaína é uma droga, pode me chamar de viciado'.
Esteticamente, além da pouca roupa, a sanfona é o instrumento que se destaca tanto no turbo folk quanto no chamado forró eletrônico, instrumento decorativo, ali muito mais para lembrar das raízes da música tradicional. Ressaltando-se que não se tem notícia de ligação entre bandas de 'forró' e crime organizado. No que elas são iguaizinhas é que proliferaram em meio a débâcle de valores estéticos, morais, e éticos, e despolitização da juventude. Com a volta da governabilidade nas repúblicas da antiga Iugoslávia, o turbo folk perdeu a força, vende ainda porém muito menos do que no passado, hoje é apenas uma música popular para se dançar, e não a trilha sonora de um regime condenado por, entre outras lástimas, genocídio.
Aqui o que se autodenomina 'forró estilizado' continua de vento em popa. Tomou o lugar do forró autêntico nos principais arraiais juninos do Nordeste. Sem falso moralismo, nem elitismo, um fenômeno lamentável, e merecedor de maior atenção. Quando um vocalista de uma banda de música popular, em plena praça pública, de uma grande cidade, com presença de autoridades competentes (e suas respectivas patroas) pergunta se tem 'rapariga na platéia', alguma coisa está fora de ordem. Quando canta uma canção (canção ?!!!) que tem como tema uma transa de uma moça com dois rapazes (ao mesmo tempo), e o refrão é 'É vou dá-lhe de cano de ferro/e toma cano de ferro!', alguma coisa está muito doente. Sem esquecer que uma juventude cuja cabeça é feita por tal tipo de música é a que vai tomar as rédeas do poder daqui a alguns poucos anos.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
4 comentários:
Estão tentando acabar de vez com o pouco que resta de respeito à verdadeira música nordestina.
Os artistas, compositores e os que pensam um piouco mais precisam se unir num movimento pra mudar este quadro.
Parabéns!
Oi Júnior
Que bom você ter-se engajado nessa "bandeira", em defesa da autêntica música, não só nordestina, mas brasileira. O que é dos poetas? Aonde estão? E sei que existem, estão por aí. E tenho certeza de que estão produzindo. O correto é perguntar: aonde estão os produtores? Aonde estão os ouvintes de um bom poema musicado? É preciso dar um basta nesse consumismo medíocre e de tão mau gosto que chega a agredir os nossos tímpanos. Haja paciência... Ainda bem que você junto a outros sensatos sensíveis (desculpe a aliteração)estão comprando essa briga. Valeu!
Abraços
Divanira
Grande Rangel...
"... o glamur, a facilidade estética, pegou em cheio uma juventude que perdeu a crença nos políticos, nos valores morais de uma sociedade..."
qualquer semelhança não é mera coincidência!!!!
sugiro o acesso dos nobres visitantes deste sítio o blog:
http://forroemvinil.blogspot.com/
um pequeno acervo da musica nordestina em vinil...
FELICIDADE E VIDA LONGA A TODOS!!!
Luiz Felipe Caetano - Aquidauana/Pantanal/BRASIL
luizfelipecaetano@hotmail.com
www.escritura.multiply.com
Gente, eu pensei que estava só nessa, eu não suporto o forró estilizado e todo mundo torçe o nariz quando pronuncio isso. Essa apelação sexual em qua as pessoas ao invés de dançar ficam ao pé do palco vendo pessoas seminuas exibirem muitas vezes dotes físicos que não tem, e os vocalistas berrarem um vibrato possante e incômodo, e aquela parafernalha eletrônica sem fim...
E a abertura dos shows, acho extremamente cafona. O Forró que não me deixou morar em S. Paulo mais que 2 anos é a música que amo, são oriundas de poetas populares e nomes como Santana, Flávio José, entre outros tantos. Estou até feliz em saber que ainda há o bom senso e pessoas que amam a cultura nordestina - eeeeeeeeeeeeeeeita nóis!!!!!!! Vixi!
Postar um comentário