7 de maio de 2008

EU QUERO MEU SERTÃO DE VOLTA!

No dia 05 de março de 2008 recebi mensagem de Lêda Dias, enviando manifesto assinado por Anselmo Alves. Somente agora o publico. O tempo não mudou! O São João de Campina e o dia-a-dia da cidade que o digam. Leia e reflita, por favor!
(Foto: Timbaúba ressequida na Escola do Cajueiro, UEPB, Catolé do Rocha - PB - rjr) "Nos últimos dez anos tenho viajado freqüentemente pelo sertão de Pernambuco, e assistido, não sem revolta, a um processo cruel de desconstrução da cultura sertaneja com a conivência da maioria das prefeituras e rádios do interior. Em todos os espaços de convivência, praças, bares, e na quase maioria dos shows, o que se escuta é música de péssima qualidade que, não raro, desqualifica e coisifica a mulher e embrutece o homem. O que adianta as campanhas bem intencionadas do governo federal contra o alcoolismo e a prostituição infantil, quando a população canta “beber, cair e levantar”, ou “dinheiro na mão e calcinha no chão” ? O que adianta o governo estadual criar novas delegacias da mulher se elas próprias também cantam e rebolam ao som de letras que incitam à violência sexual? O que dizer de homens que se divertem cantando “vou soltar uma bomba no cabaré e vai ser pedaço de puta pra todo lado” ? Será que são esses trogloditas que chegam em casa, depois de beber, cair e levantar, e surram suas mulheres e abusam de suas filhas e enteadas? Por onde andam as mulheres que fizeram o movimento feminista, tão atuante nos anos 70 e 80, que não reagem contra essa onda musical grosseira e violenta? Se fazem alguma coisa, tem sido de forma muito discreta, pois leio os três jornais de maior circulação no estado todos os dias, e nada encontro que questione tamanha barbárie. E boa parte dos meios de comunicação são coniventes, pois existe muito dinheiro e interesses envolvidos na disseminação dessas músicas de baixa qualidade. E não pensem que essa avalanche de mediocridade atinge apenas os menos favorecidos da base de nossa pirâmide social, e com menor grau de instrução escolar. Cansei de ver (e ouvir) jovens que estacionam onde bem entendem, escancaram a mala de seus carros exibindo, como pavões emplumados, seus moderníssimos equipamentos de som e vídeo na execução exageradamente alta dos cds e dvds dessas bandas que se dizem de forró eletrônico. O que fazem os promotores de justiça, juízes, delegados que não coíbem, dentro de suas áreas de atuação, esses abusos? Quando Luiz Gonzaga e seus grandes parceiros, Humberto Teixeira e Zé Dantas criaram o forró, não imaginavam que depois de suas mortes essas bandas que hoje se multiplicam pelo Brasil praticassem um estelionato poético ao usarem o nome forró para a música que fazem. O que esses conjuntos musicais praticam não é forro! O forró é inspirado na matriz poética do sertanejo; eles se inspiram numa matriz sexual chula! O forró é uma dança alegre e sensual; eles exibem uma coreografia explicitamente sexual! O forró é um gênero musical que agrega vários ritmos como o xote, o baião, o xaxado; eles criaram uma única pancada musical que, em absoluto, não corresponde aos ritmos do forró! E se apresentam como bandas de “forró eletrônico”! Na verdade, Elba Ramalho e o próprio Gonzaga já faziam o verdadeiro forró eletrônico, de qualidade, nos anos 80. Em contrapartida, o movimento do forró pé-de-serra deixa a desejar na produção de um forró de qualidade. Na maioria das vezes as letras são pouco criativas; tornaram-se reféns de uma mesma temática! Os arranjos executados são parecidos! Pouco se pesquisa no valioso e grande arquivo gonzaguiano. A qualidade técnica e visual da maioria dos cds e dvds também deixa a desejar, e falta uma produção mais cuidadosa para as apresentações em geral. Da dança da garrafa de Carla Perez até os dias de hoje formou-se uma geração que se acostumou com o lixo musical! Não, meus amigos: não é conservadorismo, nem saudosismo! Mas não é possível o novo sem os alicerces do velho! Que o digam Chico Science e o Cordel do Fogo Encantado que, inspirados nas nossas matrizes musicais, criaram um novo som para o mundo! Não é possível qualidade de vida plena com mediocridade cultural, intolerância, incitamento à violência sexual e ao alcoolismo! Mas, felizmente, há exemplos que podem ser seguidos. A Prefeitura do Recife tem conseguindo realizar um São João e outras festas de nosso calendário cultural com uma boa curadoria musical e retorno excelente de público. A Fundarpe tem demonstrado a mesma boa vontade ao priorizar projetos de qualidade e relevância cultural. Escrevendo essas linhas, recordo minha infância em Serra Talhada, ouvindo o maestro Moacir Santos e meu querido tio Edésio em seus encontros musicais, cada um com o seu sax, em verdadeiros diálogos poéticos! Hoje são estrelas no céu do Pajeú das Flores! Eu quero o meu sertão de volta!" Anselmo Alves

3 comentários:

Ana disse...

Júnior,

Não tinha lido até agora um texto tão claro e contundente sobre a questão do gosto musical duvidoso que vem predominando no nordeste. As pessoas perdem uma boa oportunidade de discutir este assunto quando apelam para uma valorização vazia, falso moralismo ou saudosismo mesmo. Você tocou na raiz da ferida, e acrescentaria mais, estas letras que incitam a violência, a bebedeira, etc. estão presentes no funk no Rio de Janeiro com uma diferença crucial: são músicas de periferia, cantadas por pessoas que vivem um clima de desesperança e violência enorme, e que usam a música como uma válvula de escape de sua realidade. Sua validade ou "aceitabilidade" está justamente aí. Agora, transformar a poesia e o ritmo do forró nordestino neste festival de letras desconexas é transformar as raízes tão preciosas e belas em um produto barato de quinta categoria que nenhum turista quer ver. Alguns ainda gravam músicas estrangeiras com uma versão tosca em português e a batida do forró! Aí, meu amigo, é mesmo de matar!

Beijos,

RANGEL JUNIOR disse...

Pois então, Ana!
Ainda resolvi encaixar o tema numa proposta de estudo pro doutorado. Se conseguir, trabalharei um bom tempo como um bioquímico num laboratório de análises clínicas, estudando o 'material' produzido por estas 'bandas'.
Pra isso vou ter que me desarmar de um monte de coisas e tentar ser 'cientista'.
Já acostumei com o som e o conteúdo delas, chego a ficar perto de um carro tocando e nem escuto. Desenvolvi uma espécie de 'escuta seletiva'.
O pior é ver e ouvir o povo chamando isto que eles gravam de forró.
Aí dói!
Bom ter sua interlocução.
bjs.

kathy cavalcanti disse...

OLÁ, RANGEL ADORO SEU TRABALHO COMO MÚSICO SOU TUA FÃ QUERIDO CONTERRÂNEO.
BJSSSSSSSS.