11 de agosto de 2006

BELEZA FEMININA

Tirante uma bem sucedida celebração no altar de Vênus, caro leitor, não imagino coisa mais prazerosa que sentir o peso do alimento no estômago. E olhe que quem vos fala é um apreciador inveterado de certo destilado brasileiro famoso no mundo inteiro. A fome saciada é um dos prazeres animais mais singelos. E quando saciada com algo de que você gosta, aí então nem se fala.Eu, que tive uma infância muito feliz, mas meio apertada no que tange a certas regalias alimentares e a ingestão de supérfluos, vim descobrir o sabor de muita coisa que hoje encontro plenamente à disposição depois dos 20 anos de idade.Sobre maçãs e uvas ouvíamos falar de tempos em tempos quando a safra no Sul estourava e os gaúchos com seu sotaque de novidade circulavam pelas ruas de Juazeirinho num caminhão com uma corneta (que naquele tempo chamávamos apenas de difusora) decantando os sabores e odores daquelas frutas. Aquelas caixinhas com papel seda roxinho, aquele cheiro diferente... Êita novidade grande! Difícil mesmo era o dinheiro pra comprar tais iguarias. Ficávamos no desejo, no sonho.Tudo aquilo era muito diferente aos nossos olfatos e paladares matutos acostumados a umbus, juás, pinhas, melancias, goiabas, frutas de palma, melão São Caetano, caju, banana, quase tudo tirado diretamente do pé de acordo com a época.Era a coisa mais comum do mundo naqueles tempos, que pra mim foram dourados pelo pôr do sol caririzeiro, se dizer que uma moça era bonita, bem feita, gostosa, quando se via claramente pelos seus contornos arredondados, mocotós bem torneados, quadris largos e coisa e tal.Por essa época, sem nenhum demérito para a reboculosa jovem que desfilasse circulando na pracinha depois da missa dominical, era comum que um grupinho de garotos sussurrasse entre si: “É uma jumenta!” Era, sem dúvidas, por mais que não pareça, um especial elogio.Passados menos de três décadas dessas reminiscências, o que se vê é uma completa inversão de valores. Eu não diria exatamente do gosto do brasileiro mediano. Acompanhamos, nos dias atuais, a hegemonia de uma espécie de estética de faquir só para mulheres.Prega-se aos quatro cantos do planeta que o padrão de beleza universal feminina é um corpo de um metro de setenta aproximadamente e uns cinqüenta quilos no máximo. O sucesso na televisão, inclusive no elenco das novelas, são pobres mulheres tísicas, verdadeiras varapaus que mais parecem espingardas de dois canos que gente de carne e osso. Aliás, mais osso que carne.Por outro lado, descobrir um sinal de celulite, uma estriazinha qualquer, um pneuzinho mais saliente, uma pelezinha a mais na parte posterior do braço é sinal de condenação à fogueira do inferno das vaidades. Meio caminho andado para uma vaga com o psicólogo, o psicanalista, o psiquiatra, o endocrinologista, o personal-trainer, o nutricionista e por aí vai.Enquanto isso, as burras da indústria da moda, da fome falsa e das anfetaminas vão se enchendo de dinheiro. Ao mesmo tempo as frustrações, recalques, insatisfações, (pela baixa auto-estima) e até mesmo certas patologias como a depressão vão fazendo fila e história na vida de nossas queridas amigas mulheres.Muitas vezes fico encasquetado com esse tipo de lógica. Quem diria que alguém em sã consciência passaria quase fome apenas pra manter certa pose pescoçuda de manequim de passarela e a silhueta mais que esguia, feito cobra de cipó, quase sumindo por onde passa.Quando garoto a gente costumava impor às meninas com tal biótipo, apelidos ácidos do tipo: escrita-fina (referência clara às amarelinhas canetas BIC da época), passo-mago, cibito baleado, cambito de caçuá, e coisas do gênero.Cá pra nós, mas uma coisa é você ter recebido quando de sua concepção e nascimento uma determinada carga genética que definiu qual seria seu tipo físico. Outra completamente diferente e insana é transformar a vida numa eterna luta contra a balança e o envelhecimento.Pior de tudo é ver tanta gente doida pra comer e sem ter o que, enquanto outras esbanjam se escondendo da fartura oferecida em casa porque pretendem obter tais medidas mínimas de peso, busto, quadril, perna e coisa e tal. Pra quê?Ainda continuo achando que beleza mesmo só se vê de perto e com um bom tempo. Você acorda e dorme de novo com a mesma criatura por perto dias a fio. De repente percebe aquele sinalzinho que ainda não havia chamado à atenção. Dá-se conta de que sua orelha tem um desenho interessante. Descobre que tem um pontinho meio furta-cor no lado esquerdo da íris do seu olho direito. Aquele jeitinho de colocar a perna do lado quando dorme. Um quase sorriso encabulado quando, de surpresa, você chega com um mimo, dá-lhe um beijo e diz: eu te amo!Por que buscar a beleza somente no quadril sem celulite? E aquela rugazinha na testa? E aqueles cabelos grisalhos que, vez por outra dão sinal que vão chegar aos montes? E as mãos, sim aquelas mãos mágicas que tantas festas proporcionaram e que já revelam um enrugamento precoce, marcas inevitáveis da lida diária?Sei não, ilustre e atencioso leitor que me honra com seu precioso tempo. Acho que precisamos fazer alguma coisa. O que? Quem sabe convencer nossas mulheres de que elas são lindas e maravilhosas do jeito que são?

Nenhum comentário: