26 de setembro de 2025

O veneno de Naja e sua filha Najinha



Em uma floresta exuberante, chamada Harmonia, onde rios cristalinos serpenteavam entre árvores centenárias, os animais conviviam em uma paz construída com muito esforço. O leão, o macaco, o sabiá e o jabuti, cada qual com suas peculiaridades, tinham aprendido a valorizar a diferença e a resolver seus conflitos em assembleias à sombra da Grande Figueira. Os mais antigos, como o jabuti Cascudo, ainda se lembravam das histórias aterrorizantes da Serpente Naja, cuja linhagem ancestral havia espalhado medo e destruição por toda a floresta. Naja era uma criatura de pele cintilante, hipnotizante, mas seu veneno era letal e seu único objetivo era envenenar opositores e conquistar o poder absoluto.


Mas a harmonia começou a rachar. Discussões sobre a melhor forma de organizar a floresta se tornaram mais acaloradas. Alguns animais, cansados da complexidade da convivência, clamavam por uma mudança radical. Eles acreditavam que certos animais queriam direitos demais, que a liberdade de discordar era um peso, e que uma nova ordem, talvez mais simples, seria a solução. Os mais velhos, como o Cascudo, tentaram alertar: "A serpente Naja e sua família de cobras nunca tiveram outro objetivo senão a aniquilação daqueles que se opõem ao seu poder!" Mas as palavras se perdiam no burburinho dos descontentes.


Foi então que um fenômeno climático alarmou a todos: o aquecimento global. A floresta, antes temperada, começou a sentir um calor sufocante. Em meio à incerteza e ao medo, algumas serpentes, menos venenosas, tentavam tranquilizar os outros animais. "Não há o que temer", dizia a serpente-azul, "Se nossos ovos chocarem com o calor, o novo tempo será só de renovação e progresso. E só destruiremos os nossos inimigos, os bichos vermelhos!" E como os bichos vermelhos não eram tantos, a enorme maioria não se preocupou. Elas sorrateiramente não esclareciam que, para a família das serpentes, inimigo é todo aquele que não concorda com suas vontades e não compartilha de seu direito ao poder.


Nesse clima de caos e divisão, o ovo da lendária Naja, que todos acreditavam estar abandonado há gerações, talvez tivesse até gorado, começou a rachar em um ninho escondido. O ovo havia sobrevivido às intempéries, e o calor atípico da floresta o chocou. Do ninho, emergiu a jovem Najinha, um ser de beleza ainda mais estonteante que a mãe. Desta vez com um poder de mimetismo nunca visto antes. Aparecia à luz do dia com círculos e losangos combinados em verde-amarelo, azul e branco e às vezes, na sombra, se viam suas listras brancas e vermelhas e estrelinhas brancas sob um azul intenso, mas com o mesmo veneno corrosivo em suas veias.


Najinha cresceu rapidamente, alimentando-se da desconfiança e do rancor que cresciam na floresta. Começou a alimentar o ódio e a descrença entre os outros animais e se aliou às serpentes menos venenosas, prometendo-lhes um novo mundo, um mundo em que as serpentes dominariam. Juntas, elas disseminaram a ideia de que a diversidade era uma fraqueza e que a união sob uma única e forte liderança, a de Najinha, era o único caminho para a prosperidade. E começaram a apelidar a Najinha de mito.


O velho Cascudo, vendo a floresta à beira do abismo, organizou uma última assembleia. "Há muito tempo, nossos ancestrais derrotaram a Naja e esmagaram sua cabeça para acabar com seu domínio de terror. Mas eles cometeram um erro: deixaram um ovo", disse ele. "E agora, com o aquecimento de nossa floresta, a semente do mal cresceu e agora ameaça destruir tudo o que construímos!" A raposa Astuta, por sua vez, alertou: "Muitas vezes, aquilo que nos parece belo ou inofensivo pode ser a semente do nosso próprio fim."


A floresta se dividiu. Aqueles que lembraram das histórias de terror lutaram para proteger a floresta. O leão e o sabiá uniram-se ao Cascudo, e mesmo os macacos arrependidos se juntaram à luta. Mas muitos sucumbiram ao encanto de Najinha e seu discurso de ordem e poder. A guerra foi inevitável e a floresta Harmoniosa, antes um símbolo de união na diversidade e mesmo divergência, foi transformada em um campo sangrento de batalha.


No final, a floresta foi poupada da total destruição, mas a guerra deixou cicatrizes profundas. A união foi razoavelmente restaurada, mesmo que ainda um pouco frágil, mas não sem antes a jovem serpente ter sido esmagada e o ovo, que todos pensavam ter sido o último, destruído para que a história não se repetisse.

Moral da História

Quando se combate um veneno, é preciso esmagar não apenas a cabeça da serpente, mas também quebrar cada ovo que ela possa ter deixado para trás. A complacência e a ignorância diante do mal, por mais belo e inofensivo que ele pareça, pode dar tempo e oportunidade para que o veneno se espalhe e destrua não apenas a diversidade, mas a própria memória de como a paz foi construída.


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