Revisitando, por motivos nada aprazíveis, o antigo Grupo Escolar Manoel Vital (colégio velho) que rivalizava com o Colégio Municipal Severino Marinheiro (colégio novo), em Juazeirinho, inevitavelmente viajei pela minha infância e adolescência.
Nos tempos em que as provas vinham prontas da secretaria de educação, pois ninguém podia pensar diferente, vivíamos um mundo cheio de repressões e censuras, mas, à época, nada entendíamos daquilo. Cantávamos "Eu te amo meu Brasil, eu te amo / Meu coração é verde-amarelo e branco, azul-anil..." e nem sabíamos do que se tratava, apenas que era uma exaltação às belezas e ao amor que tínhamos por nossa pátria.
Nossas aventuras mais radicais eram umas corridas de patinete no grande corredor do Grupo, as brincadeiras de toca nas muretas de acesso à caixa d'água e nossas peladas de futebol no pequeno intervalo do recreio. Fora da escola alugávamos bicicletas, subíamos em árvores (o que me rendeu algumas sovas) e gostávamos de andar por sobre os muros da escola. Era muita adrenalina. Ainda tinha as disputas com bola de meia, barra-bandeira e bang-bang onde nenhuma arma entrava, a não ser a nossa fantasia. Pra completar, um banho na Barra ou no açude da cidade, onde cheguei a perder um colega que sentava ao meu lado aos 12 anos de idade.
O Grupo Escolar Manoel Vital foi palco de minha primeiras incursões pelo mundo da música, entre os 8 e nove anos, quando compusemos um 'conjunto', chamado pomposamente de "Os Superquentes". Usávamos uma faixa de cartolina na testa com o nome do conjunto e cantávamos, acompanhados de instrumentos improvisados e fabricados por nós mesmos, de "criança feliz" a "parabéns pra você"... Ê, vida boa! Tanto tempo faz... como diria João Nogueira na sua belíssima e triste canção Espelho.
Constatei estarrecido em Juazeirinho que a adrenalina de hoje é fornecida por corridas de moto (sem capacete) e alta velocidade, com hodômetro fotografado pra ser mostrado depois no orkut. Jovens de 14-15 anos se esbaldam na cerveja, pilotam suas motos livremente, dirigem os carros dos seus pais, não usam cinto de segurança e adoram essa mistura: álcool + velocidade + exposição pública, que visa a afirmação.
Numa dessas, cinco garotos viajam ao Junco do Seridó (que Paulo Diniz cantou em uma de suas canções - segundo consta - em homenagem a Gorete de João Galo), tomam umas cervejas, dão uns cavalos-de-pau no Junco, a Polícia Militar manda voltarem pra Juazeirinho (em vez de os segurar e chamar seus pais) e, na viagem de volta, três deles fizeram uma viagem sem volta.
Três vidas interrompidas e dentre elas a de Iuri, meu sobrinho. Um garotão de 1,80m, com 16 anos, que amava o Fluminense e o Palmeiras ao mesmo tempo. Mistura esquisita, mas era assim que era. Ah! Era louco pelo Campinense também!
Pois não tive coragem de ver aquela alegria e energia toda transformada em hematomas, traumatismos e um corpo gelado. Escolhi guardar sua memória enquanto energia pulsando. A dor do seu pai, de sua mãe, de tantos amigos e amigas, avó, tias, tios... é imensurável, mas uma pergunta fica gritando sem querer calar: o Código Brasileiro de Trânsito não tem validade nacional? Não! Em Juazeirinho não vale nada, nem pelo papel pra ser usado como embrulho em bodega.
Pior é saber (in loco) que na maioria das cidades interioranas que conheço ele é letra morta. Enquanto isso, tempos em tempos vidas vão sendo ceifadas pela ignorância, pelo absurdo, pela inoperância do Estado, pela complacência dos pais com seus adolescentes, pela incapacidade de nossas autoridades (inclusive as educacionais) em educar de verdade.
A vida, a vida mesmo, tá valendo bem pouquinho. Uma coisinha assim de nada, uma peinha de nada...
O que falo é saudosismo? Não! Falo mesmo é de dor e de educação. Quanta tristeza...
2 comentários:
É... velho amigo poeta... Não posso (mais uma vez) comentar a tua dor, mas posso unir-me às tuas indagações – que também são de tantos outros indignados com a balança mefistofélica da sociedade e dos poderes.
- Por que “a Polícia Militar manda voltarem pra Juazeirinho (em vez de os segurar e chamar seus pais)?”
- “O Código Brasileiro de Trânsito não tem validade nacional?”
- As leis que regem as metrópoles perdem a validade após alguns quilômetros delas?
- Os nossos impostos (pagos com lágrimas) não têm o mesmo valor que os da Capital, ou será que eles são “in-postos” nos cofres do governo?
Decerto, meu caro Júnior, não eram Iuri e seus amigos, filhos de um governador, de um prefeito, de um deputado ou quaisquer autoridades que o valha; encima de quem eles, os policiais, pudessem tirar uma casquinha, fazer uma “mediazinha”, ou mesmo ter suas “caretas” postadas nas páginas dos jornais e manchetes dos noticiários.
Ao fato, minha indignação.
Alfrânio.
Preste atenção no serviço, Alfra!
... em cima de quem eles...
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