28 de janeiro de 2007

URÊIA-DE-PAU

Escrito assim mesmo, desta forma, pois era assim que falávamos. Não pegaria bem escrever "orelha de pau", porque acho que significaria outra coisa e não aquela iguaria tão singela e que enchia nossos paladares infantis. Até onde recordo era um pequeno bolinho, tipo sorda, feito de fubá de milho, ovos, açúcar e água ou leite, frito em óleo comestível. Algumas tardes era esse o nosso lanche favorito em Juazeirinho. Isso quando o tempo era de vacas mais ou menos gordas, pois na época das vacas magras não tinha lanche nenhum. Um refresco deito de Q-suco, complementado com um limão espremido (para dar aquele toque natural) e nós fazíamos a festa. Ficávamos à beira do fogão esperando o término da fritura, pois Dona Neide só liberava depois que terminava tudo e ainda depois de um resfriamento mínimo, porque, segundo ela, dava caganeira se comêssemos a 'urêia-de-pau' ainda quente. Disciplinadamente fazíamos aquela fila de espera com a boca salivando mais que cachorro quando vê ração da boa. Não lembro de lanche mais saboroso, uma verdadeira iguaria improvisada por minha mãe (e barata, vale dizer) pra dar conta de saciar nossos estômagos castigados. Teve tempos mais difíceis, tempos em que Dona Neide com sua criatividade e perseverança nunca deixou faltar o essencial, mesmo que isso viesse de 'ofertas' vindas do Restaurante de João de Arlindo, que funcionava no Posto de Gasolina a cem metros de nossa casa, aonde ela 'dava uma força' no apoio da cozinha e, naturalmente, conseguia arrebanhar, digamos, algumas coisas prontas que os clientes decidiram não consumir. Tempos duros aqueles. Não lembro de nenhum recalque que tenha ficado por conta das dificuldades que passamos, mas asseguro que foi uma grande aventura. As partidas de bola-de-meia, de finca, barra-bandeira, toca, pega-soltou, academia (que depois soube que chamavam amarelinha), as corridas de patinete, os 'breques' empurrados pelas ruas spróximas, as goiabas e melancias subtraídas dos sítios mais próximos como o de Zé do Motor, as pescarias de piaba, os banhos de açude, os banhos de chuva... ah! Belos dias! Parece que estou sentindo o cheiro da 'urêia-de-pau' feita por Dona Neide no fogão de brasa. Hummm! Essas lembranças!

19 de janeiro de 2007

ENTREVISTA - DIARIO DA BORBOREMA

Publicada no DB 19/01/2007, resolvi postar aqui a entrevista concedida à Jornalista Oziela Inocêncio.

Está em www.db.onorteonline.com.br

Rangel Júnior lançará novo CD

A obra, estritamente autoral, deverá ser finalizada até o final de março ou meados de abril

Oziella Inocêncio imprensajornal@gmail.com

O paraibano de Juazeirinho Rangel Júnior já trabalha com música há mais de trinta anos. Desde a mais tenra idade escutava o pai cantando samba e o avô declamando literatura de cordel e promovendo saraus em sua casa. Cresceu, assim, num ambiente que se pode chamar culturalmente rico. Também formado em Psicologia, com mestrado na área de Educação, exercendo a função de pró-reitor de ensino da Universidade Estadual de Campina Grande (UEPB), o músico, nos últimos seis anos, já despontou na cena campinense com três cds e agora se prepara para lançar o próximo, intitulado provisoriamente [como ele próprio salienta] de "Nordestino Brasileiro". O cd, que deverá ser lançado até o final de março ou meados de abril, no Teatro Municipal Severino Cabral, possui apenas composições suas o que diferencia dos demais já executados por ele, posto que costumeiramente apresentava parcerias com outros artistas. Neste caso, Rangel é acompanhado apenas na produção, que tem a participação dos músicos Jorge Ribbas e Lifanco. Entre os projetos para este ano, o cantor e compositor aponta que serão postos em cena dois libretos de cordel e um livro de contos e poemas, assim como uma serenata em homenagem às mães. Este foi um dos pontos que ele abordou no decorrer desta entrevista concedida ao Diário da Borborema.

DB-Quais novidades estarão neste novo CD?

Ranjel Júnior - Acredito que este novo cd é bastante diferente dos que eu já fiz, a começar pelas composições que são todas minhas. Nós iniciamos a gravação em dezembro, mas eu já vinha num processo de seleção de repertório, de concepção do disco há mais de um ano. Nele, eu mostro o meu universo composicional. É curioso, porque sempre me achei mais compositor do que cantor, mas como não tinha ninguém para cantar as minhas músicas eu acabei trazendo para mim esse oficio [risos]. O disco dispõe de uma gama de gêneros musicais. Passeia pelo forró, xote, chorinho, galope, samba, bossa nova, reggae, canção, marchinhas de carnaval, bolero, valsa, coco. É uma produção bem eclética e reflete o meu amadurecimento. Não quis me restringir a ficar fazendo discos apenas de forró, para lançar na época do São João. Acho que, hoje, isso para mim não faz muito sentido. O meu universo estético, as minhas influências são muito mais amplas e resolvi explorar isso. Não quero me prender a nenhum rótulo ou gênero, embora me mantenha fiel às raízes.

Mesmo considerando que o título é provisório, por que "Nordestino Brasileiro"?

Vejo que hoje se convencionou dizer que música brasileira é samba, é bossa nova, mas que o forró, o baião, é música nordestina. Mas o nordeste não é Brasil? Sendo um nordestino, um caririzeiro, posso cantar bossa nova com esse meu sotaque nordestino. O cd procura mostrar que a música não se limita às regiões. É como se o eixo-de produção musical estivesse apenas no Sudeste, uma visão preconceituosa.

Que espécie de música não gravaria?

A música vazia, que sequer considero música. Aquela que ofende as mulheres, que a trata como lixo, como cachorra, que são compostas de baixarias e pornografia. Essa música está para MPB assim como o filme pornô está para o filme erótico, um gênero diferenciado. Há na história da literatura e da música grandes artistas que tratam de erotismo, mas sem recorrer a baixarias. A música de duplo sentido é diferente, para fazê-la com maestria é preciso inteligência e nem todos sabem jogar com as palavras e com o subjetivo.

Qual tema é recorrente em suas composições?

As relações humanas, em especial a que trata da relação homem-mulher. Procuro traduzir sentimentos universais nas minhas composições. Conto histórias minhas, de amigos meus, mas que também se confundem com meus próprios sentimentos. Por exemplo, tenho nesse novo cd um xote que compus para Florbela Espanca e que reflete uma fase que tive.

Se não fosse pró-reitor daria para sobreviver de música?

Daria e viveria melhor [risos]. Eu nunca investi muito na música. Ela sempre foi para mim diversão, prazer, lazer e por isso, o maior retorno da minha produção foi afetivo e as compensações, emocionais. Mas acredito que se eu investisse mais de modo financeiro mesmo, divulgasse com uma boa estrutura, um bom material midiático, daria para sobreviver apenas de música. Acho que seria mais feliz. No meu caso, há um professor que sustenta o artista. Sempre me senti artista a vida inteira, mas num determinado momento percebi que não daria para sobreviver apenas desta maneira, então tomei outros caminhos. Considero que conseguir aliar o prazer a algo que ainda te mantém, do ponto de vista financeiro, é o que chamam de realização.

Considera que a nova safra de músicos de Campina Grande é promissora?

Certamente. Tem muita gente produzindo hoje, grandes instrumentistas. Da cena contemporânea posso citar Toninho Borbo, Pepisho Neto, Aerotrio, Jorge Ribbas, Júnior Cordeiro, Sandra Belê, afora os que estão produzindo agora e ainda não conhecemos. O que falta na cidade é movimentar o fluxo de apresentações artísticas, mostrar o que se produz. A estrutura campinense para isso se restringe quase sempre apenas a bares. Isso associa a cultura ao entretenimento, à bebida, por isso as pessoas não vêem a arte como espetáculo que pode ser contemplado independentemente. O que vejo aqui é que temos um equipamento cultural muito bom, boas salas de espetáculo, mas falta a efervescência artística que há em João Pessoa, por exemplo.

A que se pode atribuir isso?

Há uma grande lacuna em Campina no que se refere a produtores culturais que tenham a coragem de investir no novo, no que é produzido aqui. Existe um círculo vicioso que os faz investir apenas no que dá lucro e temer os novos talentos. De certa feita, mostrei um trabalho meu para um produtor daqui. Ele gostou muito, mas disse que não podia trabalhar com ele porque o povo aprecia um trabalho de nível cultural mais baixo. Mas quem disse isso? Onde está postulado isso? Dizem que os cães gostam de osso, mas se dermos carne o que ele preferirá? Esse é um bom exemplo. Penso que essa visão é preconceituosa e rotula as pessoas.

Qual o sentido de ouvir e produzir música, de dedicar-se ao cultivo da arte?

Eu respiro música e literatura desde a infância. Apanhava da minha mãe para parar de ler, porque deixava queimar a comida nas panelas [só tinha homens em casa e também cuidávamos da cozinha] porque estava entretido nas minhas leituras. E sempre ouvia dela "você vai ficar doido de tanto ler". A arte e, principalmente, a música faz parte da minha vida muito mais do que qualquer coisa. Eu deixaria tudo menos a música. Viver sem música para mim é como viver sem água.

10 de janeiro de 2007

EU, MARIA E O POSTE!

A pedido, conto aqui uma pequena historinha. Indicado pelo cangaceiro Dimas Xavier (teixeiroso de nascença e coração), fui convidado para falar sobre poesia popular, cordel, cultura e globalização, na cidade de Teixeira. Era o ano de 2001, se não me falha a memória. Na mesa, falando antes de mim, a poeta Julita Nunes discorrendo sobre os poetas e histórias das cantorias e escritores de Teixeira. No meio de sua fala ela contou a história de um cidadão que não era cantador, repentista, mas um grande apologista e fazedor de motes pros cantadores. Contou que este cidadão (de quem não lembro o nome, infelizmente) vez por outra oferecia o mesmo mote para duplas de cantadores de viola ou glosadores tentarem "matar", que é uma das expressões usadas quando o poeta consegue glosar bem com o mote oferecido. O mote era "EU ESPERO QUE UM DIA AQUELE POSTE / 'INDA CAIA NA CABEÇA DE MARIA". Todos riram no auditório e eu também, lógico! É, de fato, um mote, vamos dizer assim, exótico. Calado, peguei a pensar no assunto e antes da poeta Julita Nunes terminar sua palestra, lhe entreguei um pedaço de papel com a seguinte glosa: MARIA APARECEU EM MINHA VIDA DESPERTANDO EM MIM LOUCA PAIXÃO MAS DEPOIS ME LARGOU, VIROU PERDIDA PELAS BRENHAS ARDENTES DO SERTÃO. NÃO LHE QUERO MAL PELO QUE FEZ MAS CONFESSO SEM PENA PRA VOCÊS NESSAS LINHAS EM FORMA DE POESIA: MESMO QUE DA DANADA EU 'INDA GOSTE EU ESPERO QUE UM DIA AQUELE POSTE 'INDA CAIA NA CABEÇA DE MARIA. Foi uma boa 'glosada' e o público gostou. Comecei a declamar nas apresentações ao vivo e depois até gravei no CD Nordestino Cantador. É isso!

4 de janeiro de 2007

NÓS E OS CICLOS

Os Ipês perderam todas as flores ainda nos inícios de Dezembro. Restam alguns adolescentes que, mais viçosos, sustentam sua florada escassa por mais uns dias. Enquanto isso, mangueiras outrora bombardeadas de flores já incharam seus manguitos e começam a amarelar preparando safra nova. Os maturis já se transformaram em doces cajus e já adoçaram milhares de mesas e deliciaram amantes da cachaça. Serigüelas verde-oliva espremem-se em cachos esperando a hora certa de fazerem salivar até os paladares mais sofisticados. As Acácias amarelas estão apinhadas de flores, buganvílias roxas, vermelhas, amarelas e até brancas brincam de trepar por sobre as cercas dando um colorido todo especial, emoldurando casinhas brancas e sonhos de quem nelas presta à atenção. O ciclo da vida, o ciclo das flores, da natureza toda se reflete dentro da gente. Os ciclos, nós os adotamos como forma de tentarmos nos aproximar mais da natureza, do cosmo. Os seres humanos somos muito engraçados. Eu, que tempos atrás detestava efemérides, menos pelas coisas em si e mais pelo uso comercial abjeto que fazem delas: natal, ano novo, aniversários, comemorações gerais... hoje, me vejo compreendendo, para além do abuso mercantilista do nosso apego às datas, como o ser humano se esforça para, mesmo modificando a natureza para adequá-la a si, mesmo agredindo-a permanentemente, tentar entrar na sua lógica, no seu ritmo. Afinal, a lua, os astros todos, o Astro-Rei, o movimento e a relação de tudo quanto existe no universo são ou não uma verdade absoluta? Assim como os Ipês que perdem as folhas e se preparam para daqui mais um ano voltarem para encher nossos olhos, como o ocaso, a noite, a madrugada, o albor, o novo dia que chega, somos parte desta mesma lógica que, queiram alguns ou não, é dialética, apenas funcionando com diferentes ciclos, distintos períodos. Se a vida, a natureza, o cosmo se movimentasse em círculos, como querem alguns, viver e tudo que lhe guarde relação seria uma coisa muito sem graça. Imagine a gente sabendo exatamente quando e onde tudo passaria novamente pelo mesmo lugar, numa espécie de moto-contínuo e ao mesmo tempo lugar-comum. Mesmo quando a roda-gigante volta lá em cima pelo mesmo lugar em seu giro teimoso, as emoções, os sentimentos jamais serão os mesmos. A música, o suor das mãos, o desejo de dizer algo... O mundo gira, é bem verdade. A vida se movimenta e tudo se relaciona. Tudo está em movimento e em permanente relação. Tal movimento, me parece, está bem mais próximo de algo que ocorre em espiral e não em movimento circular. Ou seja, quando tudo parece estar se repetindo é exatamente a passagem de um ciclo que se repete. Entretanto, nunca da mesma forma, pelo mesmo lugar. Se for verdade que tudo está em movimento e em relação, este novo ciclo será sempre diferente do anterior. As flores do Ipê jamais poderão ser iguais às do ano passado, sua copa, o dia exato em que ele atingirá aquela forma mais bela. Mais bela aos olhos de quem, se eu também não serei mais o mesmo e quem olhou o mesmo Ipê, degustou o mesmo caju, encheu os olhos com a florada das buganvílias já não é mais a mesma pessoa? Como repetir o sabor de um beijo? Um movimento de línguas? Um fremir de corpos? É esse movimento (de tudo) que apaixona. É a tentativa de compreendê-lo, de apropriar-se de sua lógica que fervilha em um cérebro inquieto e avisa que é hora de preparar a cama e fechar mais um ciclo. A inocente aceroleira do meu escasso jardim, antes quase destruída pelas formigas-de-roça, brevemente nos dará frutos. Espero que maravilhosos em seu rústico sabor agridoce. Celebremos, pois, mais um ciclo, mais um ano, mais um dia, mais uma noite, mais um sonho. Evoé!

1 de janeiro de 2007

REFLEXÃO DE COMEÇO DE ANO

Se você não gostou do que aconteceu com sua vida no ano que acabou... relaxe! Como tudo o mais na vida ocorre em ciclos, prepare-se: você está recebendo um ano novinho em folha para gastar durante 365 dias. Com perseverança, paciência, coragem e prudência você terá grandes chances de fazer bem melhor.

LISTA DE DESEJOS PARA 2007

Que a saúde de Dona Neide (minha Mãe) continue firme e a gente possa juntar os que se gostam daqui a 365 dias e comemorar tudo de novo; Que Vinícius continue com seu sorriso largo alegrando os dias do novo ano, teimosamente como tem feito desde o dia que aprendeu a sorrir e Taiguara seja o homem em formação que tem prometido ser até hoje, por suas ações e sentimentos; Que a vida de Camilla (depositária dos meus melhores sentimentos amorosos) possa se desdobrar em novas descobertas da boa vida a dois, reafirmando a possibilidade de um amor intenso, suave e duradouro; Que Zé Neto, Gilberto, Marcos, Fernando, Bosco e Ana Maria descubram na vida a maravilhosa construção de novos caminhos a cada dia novo que a vida lhes oferecer; Que meus amigos todos estejam vivos, com saúde e gozando de harmonia para que continuemos a comemorar (e principalmente bebemorar) a beleza da vida simples e a generosidade de sermos amigos; Que as pessoas que não gostam de mim, por razões que não sei (ou talvez até saiba) percebam que não vale a pena e não guardem rancor por atitudes ou omissões que, sem saber ou querer, tenham-nos feito distanciar ou alhearmo-nos de uma possibilidade de relacionamento fraterno; Que o Brasil retome o rumo do desenvolvimento com justa distribuição da riqueza, por milhões gerada, e apropriada por tão poucos; Que alguns valores fundamentais à cultura e à memória das identidades do nosso povo conquistem mais espaços de preservação e difusão, refutando a mesmice sem-vergonha da indústria do entretenimento, principalmente na música; Que a UEPB continue seu caminho de crescimento e fortalecimento revelando novos tempos, novas práticas de respeito e preservação da res publica; Que eu possa participar de tudo isso, pois, certamente, se assim acontecer eu serei um pouquinho mais feliz.