Três de junho. No calendário, pode parecer apenas mais um dia qualquer, escorregando entre as semanas como um pneu murcho. Entretanto, para os que já sentiram o vento fresco no rosto e a euforia liberadora nos pedais, essa data evoca algo mais profundo. É o Dia Mundial da Bicicleta, e com ele, um convite silencioso para revisitarmos não apenas as ruas da cidade, mas também as avenidas sinuosas da memória, as trilhas da reflexão e os atalhos insuspeitos da emoção. A bicicleta, em sua simplicidade mecânica, revela-se uma máquina surpreendente, capaz de nos transportar para o passado, redesenhar o presente e até mesmo inspirar um futuro mais leve e cheio de giros.
Ah, os primeiros pedais! Lembro-me do cheiro de terra molhada em Juazeirinho, na minha quase adolescência, sem a menor chance de possuir uma bicicleta, mas com a cabeça borbulhando em sonhos. Aprendi a pedalar em relíquias alugadas, distantes de casa, é verdade, mas que para mim, eram as mais belas das máquinas voadoras. Seus arranhões na pintura contavam histórias de tombos monumentais e superações que hoje ainda devem render boas gargalhadas, enquanto o selim surrado e o guidão torto eram os troféus de centenas de pedaladas alheias.
Minhas primeiras quedas em ruas descalças, cheias de pedregulhos e valetas sorrateiras, foram como comédias trágicas em capítulos. A minha primeira bicicleta, aquela que era de fato minha, só veio me encontrar aos trinta e poucos anos, uma espera que, felizmente, meus filhos não precisaram enfrentar, pois tiveram a sorte de possuir mais de uma, desde a mais tenra infância. Afinal, como dizem por aí, há o tempo de cada um e o tempo das coisas, uma máxima que se aplica tanto às duas rodas quanto à vida.
Hoje, aos sessenta e dois anos e com um fôlego que desafia o tempo, tenho a felicidade de possuir minha própria bicicleta e a saúde necessária para cortar estradas de chão e veredas apertadas, conhecidas como single tracks, ou até mesmo os estradões sem fim e o asfalto tranquilo das ruas da cidade num domingo bem cedinho, buscando lugares onde meus pneus jamais ousaram tocar. Observar o mundo passar de cima de duas rodas é uma experiência em alta definição. Você sente a textura da calçada sob os pneus, o grafite escondido na parede antiga, o cheiro inebriante do pão recém-assado da padaria, do café passado na hora numa casa de sítio a beira da estrada ou um guisado que foi ao fogo desde cedo.
Considero este um ato de resistência pacífica contra a pressa que nos engole, uma forma poética de redesenhar a cidade a cada pedalada, traçando rotas alternativas e descobrindo atalhos que só um ciclista de alma livre é capaz de enxergar. A bicicleta, nesse contexto, torna-se um convite para a liberdade, a simplicidade e uma conexão profunda com o ambiente, um brinde à vida que pulsa para além dos engarrafamentos e das telas.
Porém, o melhor de tudo não está apenas na máquina, mas na magia que ela cria: ter um grupo de amigos que se equilibram na vida com a mesma destreza de quem está sobre duas rodas. Acelera, reduz, pedala mais um pouco, freia gentilmente, toma um susto, segura a respiração numa descida mais íngreme, sofre (e muito!) do meio para o final de uma subida que parece não ter fim. Ainal, a vida é mesmo assim: toda grande descida terá uma subida logo na sequência, e tudo o que sobe desce, diria a sabedoria popular. Encaramos também o trânsito caótico da cidade e alguns motoristas menos atenciosos ou respeitosos com os ciclistas,
No meio do mato, um pneu furado, um probleminha aqui e outro acolá, um tombo, uma queda mais forte… nada disso retira o desejo incontrolável de surfar sobre duas rodas, sentindo o vento no rosto, uma chuvinha fina embaçando os óculos, o sol quente de alguma manhã de verão que nos queima a pele, mas aquece a alma. As paradas estratégicas para hidratação, os risos soltos e os abraços apertados entre os amigos, como fazemos sempre todas as semanas, duas ou três vezes, com o impagável Grupo Dirty Riders MTB, em Campina Grande. Um pedal mais longo, a exaustão premiada com um isotônico gelado, uma água de coco revigorante ou até, em algumas ocasiões memoráveis, ao final do pedal, uma cerveja bem gelada, um brinde sonoro à vida, à amizade que nos sustenta e à nossa inabalável alegria de viver.