Hoje, a retrospectiva é um espelho implacável. Ele reflete não apenas o que fomos, mas as cicatrizes que a história deixou na nossa memória coletiva. Lembro-me das aulas de Moral e Cívica, da rigidez que moldava a infância em um molde de ferro, onde éramos enfileirados como sementes em uma plantação monocultora. Ali, o hino nacional não era uma canção de pertencimento, mas um mantra imposto, e a continência à bandeira não era um gesto de reverência, mas a simulação de uma disciplina que pretendia esmagar a individualidade. Era a negação do pensamento crítico, a tentativa de forjar autômatos, cujas mentes deveriam apenas ecoar as verdades oficiais e as leituras obrigatórias, como pássaros em uma gaiola dourada.
Aquele tempo, sob o manto de uma ditadura civil-militar que rasgou o tecido de uma democracia legitimamente eleita, era o deserto onde a liberdade de expressão não encontrava solo para germinar. Professores e professoras, silenciados por um roteiro inquebrável, eram meros condutores de uma narrativa única, proibidos de dar voz a qualquer desvio. O ar era pesado, carregado não apenas com a violência explícita das baionetas, mas com uma violência mais insidiosa, a da ideologia que se infiltrava em cada sala de aula, em cada lar, tentando reescrever o destino de uma nação à força.
Não é de hoje que o Brasil convive com fantasmas que se recusam a descansar. As mesmas teses surradas dos anos 20, 30 e 50, como ervas daninhas, ressurgiram para justificar o golpe de 1964. Seus arquitetos, já derrotados em tentativas anteriores, foram fortalecidos não por um ideal, mas pela impunidade de uma anistia conveniente e uma conciliação superficial. Esse perdão, que mais pareceu um salvo-conduto para o retorno, cimentou a crença de que a violência e a ilegalidade seriam sempre recompensadas, e que a história, para alguns, é apenas um ciclo de impunidade à espera de um novo turno.
Essa semente do ressentimento, regada por anos no subterrâneo, tentou florescer novamente em 2023, e segue brotando em tentativas diárias. O discurso de "anistia" hoje é a mesma máscara de sempre, uma cortina de fumaça para ocultar a preparação de um novo golpe, para armar seus defensores e formar milícias com a intenção de derrubar a ordem democrática. É a mesma trama, os mesmos personagens, alguns com as mesmas fardas, outros recém-incorporados, unidos por um único e avesso ideal.
A verdade que emerge desta memória é que os amantes da ditadura, da violência e do ódio nunca almejaram a construção de uma nação unida. Eles se alimentam da discórdia, prosperam no caos e têm como único horizonte a manutenção de um poder que oprime, que divide e que se sustenta não em pilares de justiça social, mas sobre os escombros dos sonhos e da dignidade popular. Seu projeto não é o de um país melhor para todos, mas o de um Brasil de poucos, amarrado a um passado sombrio e autoritário.
É imperativo que não esqueçamos. Que a memória seja nossa bússola e o passado nosso mestre. A verdadeira independência, a pátria que almejamos, não pode ser construída sobre o silêncio e o medo, mas sobre a voz firme e a participação ativa de cada cidadão. Que o respeito à vida e a busca incessante pela justiça social sejam as marcas do nosso horizonte. Que a política seja mais que um jogo de poder e se torne a arte de servir e de cuidar, onde os eleitos são reflexo do povo que os escolhe.
Que as ruas, as praças e as urnas se tornem o espaço sagrado onde a cidadania se manifesta em sua plenitude. Conclamo a todos: que a luta por um Brasil verdadeiramente livre, justo e soberano seja um compromisso diário. Que o povo se veja como o único dono de seu destino, e que a participação popular seja o rio que move os destinos do país. A nossa história está sendo escrita agora, com cada ação e cada escolha. Que ela seja uma crônica de liberdade e justiça.
Golpe nunca mais!
Ditadura nunca mais!