2 de junho de 2025

O Enigma dos Bebês Reborn: Entre o Afeto e o Alerta


Sempre achei fascinante como a gente, bicho humano, se vira para ter companhia. Desde que o mundo é mundo, ou pelo menos desde que a gente aprendeu a domesticar uma galinha, inventamos ou escolhemos seres que não são gente para estar por perto. Bichos de estimação, aqueles que hoje chamamos carinhosamente de pets – e que muitas vezes são mais família que qualquer parente chato de Natal ou Ano Novo–, são um capítulo à parte. Eles dão e recebem afeto à maneira deles, com um balançar de rabo ou um miado manhoso.

Mas a coisa muda de figura quando falamos de objetos inanimados. Ah, os bonecos! Desde as calungas de pano até o robô supertecnológico que promete nos substituir em tudo, menos no cafuné. Na infância, esses companheiros de brincadeira são os famosos objetos transicionais de Winnicott. Um ursinho puído, uma boneca sem um olho, são mais que brinquedos; são pontes para a criança se descobrir e lidar com o mundo. Lembro das minhas amigas com aquelas bonecas de plástico que choravam um "éééé" robótico ao serem inclinadas e uma outra boneca que revirava os olhos e os fechava quando deitada. Era o máximo da tecnologia da época, um choro mecânico, sem a menor chance de ser confundido com um bebê de verdade.

E aí chegamos aos bebês reborn, esses bonecos incrivelmente realistas que, confesso, às vezes me dão um nó na cabeça e até um certo medo. Não são novidade do século XXI, mas agora estão em todas as manchetes. E a primeira pergunta que me faço é: qual o problema? Criança brincar com boneco, seja ele realista ou não, é parte do desenvolvimento. Adulto guardar o ursinho de pelúcia da infância? Absolutamente nenhum problema! Dialogar com o gato, com a samambaia ou a flor do deserto... isso não é aberração, é só um jeito de extravasar, de atribuir afeto onde ele pode ser bem-vindo.

O xis da questão começa quando a consciência sobre o que é o boneco se dilui. Se uma pessoa adulta usa um bebê reborn como brinquedo e tem plena consciência de que aquilo é silicone e tinta, sem problema algum. Inclusive, muitas vezes pode ser um grito silencioso por ajuda, uma forma de lidar com alguma dor ou vazio. E nesses casos, em vez de apontar o dedo ou soltar um comentário debochado, o ideal é oferecer um ombro e talvez sugerir uma conversa com alguém que entenda do riscado. Afinal, a gente precisa de ajuda, e não de escárnio, quando a realidade parece pesada demais.

O "problema" com P maiúsculo surge quando a coisa transborda do universo particular para o coletivo. É quando o dono do bebê reborn não quer mais apenas brincar, mas exige que outras pessoas entrem na sua "viagem", que tratem o boneco como um ser humano de verdade. Aquele "querer que os outros vejam o que só eu vejo" é um sinal de alerta. Se começo a conversar com um ser imaginário e insisto que você, caro leitor, também dialogue com ele, bem, aí a fronteira entre o privado e o público foi cruzada. E, convenhamos, exigir que o SUS dê tratamento para um boneco, como vimos em notícias recentes – e estamos falando de junho de 2025, viu? – é um indicativo de que algo está seriamente desajustado.

No fundo, como tudo que surge e vira moda, essa "onda" dos bebês reborn também terá seu ápice e seu declínio. Ficarão as memórias e, talvez, o uso por aqueles que ainda estão buscando um equilíbrio mais saudável na relação com o mundo. Porque, no final das contas, o delírio individual, por mais que possa ser um mecanismo de defesa, não pode virar um delírio coletivo. Aí, nem psicólogo, nem psiquiatra, nem a melhor farmacologia do mundo daria conta de cuidar e organizar. O importante é manter os pés no chão, mesmo que o coração esteja nas nuvens com um "boneco realista" nos braços.

Ah, uma vez que as palavras servem para nomear as coisas, penso que a expressão "boneco realista" descreve muito melhor o objeto (isso mesmo).

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