26 de dezembro de 2022

DONO DA VERDADE


De 21/02/2021 

A RIQUEZA QUE PROCURO


Vou registrando por aqui alguns poemas curtos, sextilhas, setilhas, trovas, gloss em motes de sete sílabas ou motes em dez sílabas, décimas, sonetos que andei publicando em redes sociais ao longo do ano. Todos foram escritos e publicados diretamente ao sabor da circunstância e praticamente no ato de criação.

DE 23/04/2021

22 de fevereiro de 2022

MARTELO PERGUNTADO

Foto: Regiopídio Lacerda e Rangel Junior, em Juazeiro do Norte.


O amigo professor e poeta Regiopídio Lacerda, do Ceará, provocou um desafio no Clube do Repente (whatsapp) e fui me meter no assunto. Para quem não conhece, o Martelo Perguntado é um dos gêneros da Cantoria de viola, ou Repente de viola. Você compreenderá logo com a leitura. Aqui ele constrói os versos (décimas) perguntando e eu respondo utilizando a mesma lógica de versificação e métricas.


Na visão muito mais material 

Vá dizendo a resposta se capaz

Qual bebida melhor que lhe apraz 

Qual o músico que achas genial

O melhor que se vê no Carnaval 

E o pior do programa do Faustão 

Como sou perspicaz, minha questão 

É saber se você é preparado 

Perguntei em Martelo agalopado 

Quem responde em martelo é campeão.

Regiopidio Lacerda


Eu estava calado, mas não fico

E respondo a você, que é poeta

A cachaça é a minha predileta

Carnaval lá no mato é o mais rico

Entoando as canções do grande Chico

Muito boas pra toda ocasião

Eu não ligo nem a televisão

Pra Faustão estarei sempre ocupado

Respondi seu Martelo perguntado
Quem responde em Martelo é Campeão.

Rangel Junior


Se pra tudo se tem uma resposta 

Se pra cada panela tem um texto 

Me responda também nesse contexto

Qual o tipo de esporte que mais gosta.

Se o time que gosta lhe desgosta 

Qual atleta lhe deu mais emoção 

E de técnico da nossa seleção 

Cite um vivo e um outro já finado

Perguntei em Martelo agalopado 

Quem responde em martelo é campeão. 

Regiopidio Lacerda


A resposta complexa é exigida

Se a pergunta foi feita e é complexa 

Eu não vou responder feito uma Alexa

Futebol é paixão mais divertida

Tricolor é o amor da minha vida

Frederico o terror de zagueirão

Vi a taça nas mãos de Felipão

Já Telê fez bonito e derrotado

Respondi seu Martelo perguntado

Quem responde em martelo é campeão.

Rangel Júnior 


Quem viveu no Sertão quando menino 

Saberá responder a minha enquete

Qual o bicho usado na charrete

Que é símbolo do mundo nordestino

Qual a arte que fez de Vitalino 

Conhecido até mesmo no Japão 

Quem lutou nas veredas do Sertão 

Mas foi morto e depois foi degolado 

Perguntei em Martelo agalopado 

Quem responde em martelo é campeão 

Regiopidio Lacerda


Na charrete e também cultivador

A tração foi do burro ou do jumento

Pra jesus foi transporte e foi assento

Pois tem fama de histórico benfeitor

Vitalino com o barro foi doutor

Retratando na arte o seu torrão

Na caatinga tombou o Lampião

Que em Angicos perdeu o seu reinado

Respondi seu martelo perguntado

Quem responde em martelo é campeão.

Rangel Junior


Pra você que é grande professor 

E nas artes também tem seu destaque 

Nunca teve plateia como claque

Nem aplauso sem ser merecedor.

Mas responda ligeiro, por favor 

Na escola qual foi sua emoção 

E nos palcos tocando violão 

O que mais lhe deixou emocionado 

Perguntei em Martelo agalopado 

Quem responde é martelo é campeão.

Regiopidio Lacerda


Eu ensino e aprendo cem por cento

Ensinar é um ato de amor

Às pessoas sou sempre devedor

Por amar o saber, conhecimento

Trinta e seis de docência é meu alento

Aprender com meu povo em comunhão

Sou feliz por cantar uma canção

E deixar um vivente emocionado

Respondi seu Martelo Perguntado

Quem responde em Martelo é campeão.

Rangel Junior

3 de fevereiro de 2022

UM COMETA CHAMADO FIDEL


A morte é o que se espera da vida, se bem que não se passa uma vida esperando a morte. Passa-se a vida vivendo-a. É o que se imagina ou se deseja. E vivê-la em plenitude seria uma espécie de prêmio, com a recompensa final de uma morte digna. Mas aí já surge a pergunta sobre o que seria uma “morte digna”.

Ah, por favor! Não me faça perguntas difíceis, pois elas exigem respostas complexas! Por esses dias eu me flagrei pensando sobre morte e vida e fui abalado fortemente pela sombra da morte. Sim, pois a morte é como uma sombra que nos acompanha e por vezes nos assusta.

A morte digna talvez fosse o resultado de uma vida longeva e plena de realizações e aventuras. Muitos se lançam às aventuras e até morrem por elas… ou como consequência delas, isto porque escolhem viver mais a largura da vida que a lonjura. Há, porém, os que preferem uma vida simples, regular, miúda, pouco agitada e muitíssimo longa. Nem sempre uma coisa leva necessariamente à outra.

Mas mudando de água para chocolate, esse rodeio todo era porque eu queria mesmo falar de Fidel. Fidel foi um pequeno cometa que escapuliu do Cinturão de Kuiper e realizou quase um giro completo de um ano solar em nossas vidas. E como um cometa, fez brilhar sua bela cauda amarela, não de partículas de poeira e gases, mas de pelo brilhante de um legítimo gato vira-latas ou SRD – se preferirem – ou um gato-pé-duro, gato-rabo-fino, desses que não têm marca nem descendência pomposa ou árvore genealógica, assim como tantos Silvas deste Brasil.

Digo que ele passou em nossas vidas porque, humanamente equivocados, tentamos aprisioná-lo entre nós. Todavia, ninguém aprisiona um cometa, senão, no máximo a sua imagem e memória. E Fidel era um cometa. E ai de quem duvidar.

Nosso Fidel Gato foi um cometa, que brilhou, cumpriu seu destino, e se foi. Não fugiu de casa. Apenas saiu para passear e encontrou-se com o seu destino fatal. Como diria Ariano Suassuna, na voz de Chicó: “Cumpriu sua sentença. Encontrou-se com o único mal irremediável, aquilo que é a marca do nosso estranho destino sobre a terra, aquele fato sem explicação que iguala tudo o que é vivo num só rebanho de condenados, porque tudo o que é vivo, morre.” A verdade é que aquele motorzinho de pura energia, aquela bomba móvel de carinho foi desativada, deixou de funcionar.

Aquele Fidel, que nos encantou por quase doze meses fechados, aquele bichinho existe agora apenas como um corpinho frágil se decompondo numa curva de estrada, uma cova fria – amargamente cavada por mim mesmo – coberta por um pequeno conjunto de pedras e um galho de marmeleiro, ali no rumo sul de Campina Grande pra Galante.

Pedras sobre um pequeno monte de areia e cascalho e umas flores de marmeleiro como última homenagem, naquele lugar ermo, tornado agora sua morada eterna, até que a terra e o tempo cumpram o seu papel. Voltará ao pó de onde veio, como diz a profecia fatal.


Estamos muito abalados e doloridos, pois o nosso cometa felino e peludo havia conquistado nossos corações e ocupado um importante espaço afetivo em nossa existência coletiva cotidiana. Está fazendo falta e ainda estamos nos acostumando com a ideia de sua perda.

Muitas mensagens bacanas chegaram até nós, de amigos e amigas próximas e distantes, e agradecemos demais. Chorar seus mortos é um direito universal. Isto tem também seu componente fortemente cultural e por isso alguns povos celebram a morte não pela perda da vida, mas pelo viés da gratidão pela passagem marcante daquele ser vivo pela vida de outros tantos seres vivos.

A vivência e experiência do luto se divide em fases. E a primeira é a negação. Exemplo disso já aconteceu na primeira noite após a sua efetiva ausência em casa. Guilherme acordou narrando um sonho em que descobrira ser outro gatinho, de cor e tamanho iguais ao Fidel, que fora atropelado, e que ele reaparecia do nada, voltando para nossa casa. Sua casa. Mesmo em meio ao pranto, ainda elaborou uma bela argumentação: “Eu preferia saber que ele teria fugido de uma vez e que estaria vivo, morando com alguma outra família!”

Por ora, resta-nos aceitar e agasalhar no peito as singelas recordações desse bichinho que, durante quase um ano em nossa casa, ocupou todos os espaços físicos possíveis e mexeu profundamente com nossos afetos, fez uma verdadeira revolução em nosso jeito de ver, viver essa relação amorosa dos humanos com animais de estimação e mudar nossa forma também de ver os outros.

Nunca pensei em prantear tanto uma perda… mas agora já sei como é e decidi não me esconder por trás de uma suposta racionalidade adulta, pois que também ninguém precisa sentir vergonha de sentir. Nosso Fidel Gato será eterno para nós enquanto vivermos.

E se você me perguntar se me arrependo de algo, eu posso dizer que sim. Arrependo-me profundamente das vezes em que impedi sua diversão com alguma lagartixa ou filhote de pássaro. Naqueles momentos eu não estava fazendo nada mais que censurá-lo ou tolher a sua possível e mesmo controlada liberdade felina. A realização daquilo que lhe era mais peculiar e originalmente pura personalidade animal, o seu instinto de caçador. E o que ele queria era apenas ser gato. É claro, um gato acarinhado, amado, cuidado, mas apenas gato em sua plenitude.

É isso!

Rangel Junior

(Twitter/Instagram/Facebook) @RangelJrOficial