28 de abril de 2021

MINHA IDADE


Tenho a idade das árvores.

Tenho a idade das pedras.

Tenho a idade dos sonhos.


Às vezes sou velho tronco

carregado pela correnteza.

Às vezes pedra

no fundo do leito do rio.


Sinto o tempo e as águas,

passando e passadas,

carregando-me - velho tronco - ou

polindo-me - pedra - em

sua interminável obra.


Por ora, apenas sonho,

velho tronco,

pedra polida.

12 de março de 2021

MOTE EM DEZ PARA DESAFIO


Você vive da fama de outrora

Quero ver se tem marra, se tem brios

Seu prestígio nasceu de desafios

Contra alguns cantadores em má hora

O seu teste vai ser valendo agora

Sou o galo que canta em seu quintal

Vou baixar sua crista no final

Ensinar quando, como e o porquê 

Se eu bater bem de frente com você

Seu seguro vai dar perda total.


Rangel Junior 

28 de fevereiro de 2021

MEU PAI NA CADEIRA DE BALANÇO

A cadeira balanço, feita com ferro e trançada com fios de plástico, vai e vem, mas é um vai e vem controlado. Suas bases estão presas em molas de metal sobre outra base fixa que serve para dar-lhe estabilidade e permitir que as molas presas na frente e atrás promovam o balanço até um certo limite.


Meu pai está nela sentado e não me vê. Perto de completar seus 93 anos, ele ainda alimenta certa esperança no inverno e na política. Mais cedo me disse pra ter paciência, pois o inverno no semiárido nunca foi regular e na política, um dia, tudo haveria de melhorar.


Observo-o à distância pra não atrapalhar sua concentração, apesar de que eu pagaria caro pra saber o que se passa em sua cabeça, no seu olhar distante, e quais operações imaginosas estão se processando sob aquela rala camada de fios de neve em que se tornou sua outrora frondosa cabeleira.


Uma mosca teima em incomodá-lo e ele parece ter desistido de brigar com ela. A vida é assim mesmo, o tempo ensina a brigar somente por coisas muito importantes. Estava há pouco com a raquete chinesa na mão, agora a pôs descansando sobre suas pernas, talvez guardando energia para possíveis pernilongos. Ele costuma me dizer que a raquete mata-mosquito dos chineses só perde pra bússola em termos de invenção.


Fico ali escondido tentando imaginar quanta carga pesada de história e experiências se abrigam sob aquele corpo alquebrado, o rosto engelhado e as vistas cada dia mais curtas. Adolescente na segunda guerra, maduro na ditadura brasileira depois de 64. Os calos de outrora em suas mãos já desapareceram e sempre aperta muito os olhos para perceber algum detalhe, mesmo com suas pesadas lentes “fundo-de-garrafa”. Nega-se terminantemente a usar lentes multifocais, pois “dá muito trabalho ficar treinando pra acostumar os olhos em cada direção diferente”.


É assim o meu velho pai. Desse jeito! Olho pra ele e vejo um relógio antigo, com seu pêndulo pra lá e pra cá, teimando em bater, alimentado por uma corda, sabe-se lá dada por quem, mas ali, repetindo rituais cotidianos como uma máquina quase perfeita.


Sinto uma enorme vontade de ir lá, falar com ele, tirá-lo daquele aparente sossego de monge, mas me contenho. Apenas me escondo pra não ser notado e não interferir na cena, que não se mova uma folha que não seja por causa do vento. 


O frescor da sombra da tarde, que já prepara o ocaso, me faz viajar por infindas estradas. Sinto um cheio de café e “urêia-de-pau” vindo lá da cozinha e percebo que ele também sentiu. É minha mãe cuidando de todos nós, numa cozinha imaginária, que desenhei em meu peito e fiquei aqui, deitado nessa rede, balançando de leve e brincando de matar saudades.


Como diria Caetano Veloso, 

“És um senhor tão bonito/

Quanto a cara do meu filho/

Tempo, tempo, tempo, tempo…”


(Rangel Junior, em 27/02/2021)