3 de julho de 2025

Ode Junina à Velhice Precoce – Ou Quando o Forró Virou Só "Etc." *


Lá fui eu, como um sanfoneiro perdido num festival de DJs, ao tal show sertanejo no meio da festa do São João. A plateia pulava como milho em óleo fervente, enquanto eu, feijão sem charque ou torresmo, ficava ali, murcho, tentando entender quando é que "piseiro" e "brega-funk" viraram parte do cardápio junino. Cantavam todos em uníssono, como se aqueles versos fossem orações de um novo credo — e eu, o herege, procurando em vão uma só música que lembrasse o cheiro de fogueira e o ranger da sanfona de verdade.

A velhice chegou sem pedir licença, mas não trouxe rugas — trouxe espanto. Não é que eu seja contra mudanças (até o baião já foi novidade um dia), mas cadê o respeito pela raiz? Virou moda chamar qualquer batida eletrônica com chapéu de palha de "forró moderno". Até o triângulo, coitado, foi aposentado por uma caixa de ritmos. E o pior: ninguém parece notar que, nessa "evolução", a festa está virando um Frankenstein cultural — nem junina, nem festa, só um amontoado de modismos sem identidade.

Dizem que tradição não é museu. Concordo! O xote pode ganhar novos arranjos, o bolo de milho pode ter seu toque gourmet, mas e quando a essência vira acessório? Quando o São João vira só um "tema" para qualquer música genérica? Não se trata de ser saudosista — é sobre não deixar que o falso multiculturalismo apague uma cultura inteira só pra caber no algoritmo. Porque, convenhamos: ninguém chama samba e frevo de "pagode-trap" no Carnaval, nem transforma a feijoada em sushi de feijão. Por que o forró tem que virar "sertanejo com sanfoninha de fundo"?

Vejo contradições por todo lado: enfeitam os arraiais com bandeirolas e balões, mas o som é o mesmo de qualquer balada de shopping. Vendem quentão "artesanal" em copo descartável, com direito a hashtag, mas a fogueira é cenográfica e o milho de espiga — aquele que ensinou a gente a dividir — virou item raro, substituído por pipoca de micro-ondas "estilo roça". E as quadrilhas? Se antes eram brincadeiras desengonçadas de comunidade, hoje parecem competições, em grande parte, de coreografias pasteurizadas, como se a graça estivesse nos likes, não na risada. Estas até cabem na festa, mas, e as tradicionais? Cadê?


Claro que a festa pode (e deve) se renovar. Mas renovação não é sinônimo de apagamento. O frevo não deixou de ser frevo por causa da guitarra elétrica, e o coco não perdeu sua alma quando ganhou novos instrumentos. Por que, então, o forró precisa ser diluído até virar só mais um ritmo genérico no meio de tantos? Não se trata de impedir a mistura, mas de lembrar que uma festa regional não é um delivery cultural — não dá pra pedir "um pouco de tudo" e achar que o resultado ainda é São João.


Então, se a velhice chegou, que ela me traga pelo menos a coragem de dizer: não é frescura querer um São João com identidade. Que a modernidade venha, sim, mas como a lenha que alimenta a fogueira — sem apagar o braseiro da tradição. Porque o que arde não é só o fogo, mas a paixão por uma festa que, no fundo, nunca foi só música ou comida: foi pertencimento.  

Viva São João! Que ele continue cheirando a fogueira, e milho assado e a sanfona desafinada — mesmo que, pra alguns, isso já soe como "coisa de velho". Melhor ser velho com raízes do que moderno sem história. E que, no grande arrasta-pé da vida, a gente nunca troque o compasso do xote pelo clique digital de um player qualquer.


* Texto escrito em parceria com Múcio Paz.

Foto: Marcelo Jr.

Publicada originalmente em www.polemicaparaiba.com.br

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